Oliverio Girondo nasceu em Buenos Aires, Argentina, no dia 17 de agosto de 1891. Poeta vanguardista, foi um dos principais nomes da poesia modernista latino-americana do século XX, junto a nomes como César Vallejo, Vicente Huidobro e Oswald de Andrade. Esteve no Brasil em 1922, ano da Semana de Arte Moderna, onde escreveu o poema intitulado “Rio de Janeiro”, no livro intitulado “2o poemas para ler no bonde”, no qual os fragmentos cubistas e o multiperspectivismo apontam para a paródia do exótico nos viajantes do século XIX.  Foi casado com a poeta argentina Norah Lange de 1943 a 1967, ano de sua morte. Oliveria Girondo faleceu no dia 24 de janeiro de 1967, em Buenos Aires.

RIO DE JANEIRO

A cidade imita em papelão uma cidade de pórfiro.

Caravanas de montanhas acampam nos arredores.

O Pão de Açúcar basta para adoçar a baía inteira O Pão de Açúcar e seu
teleférico que há de perder o equilíbrio por não usar uma sombrinha de papel.

De cara maquiada, os edifícios trepam uns por cima dos outros e, quando chegam ao alto, viram o lombo para que as palmeiras lhes deem com o espanador na laje.

O sol amolece o asfalto e o traseiro das mulheres, amadurece as lâmpadas
elétricas, sofre um crepúsculo nos botões de opala que os homens usam até para fechar a braguilha.

Sete vezes ao dia regam-se as ruas com água de jasmim!

Há velhas árvores pederastas, desabrochadas em rosas-chá, e velhas árvores
que engolem as crianças que jogam bola no passeio público. Frutas que, ao cair, fazem um buraco enorme na calçada; negros que têm cútis de tabaco, a palma das mãos feita de coral e sorrisos sem-vergonha de melancia.

Por apenas quatrocentos mil-réis se toma um café, que perfuma todo um bairro da cidade durante dez minutos.

É A BABA

É a baba.
Sua baba.
A efervescente baba.
A baba hedionda,
cáustica;
a negra baba rançosa
que baba esta espécie babosa de alimárias
por seus ruminantes lábios carcomidos,
por suas pupilas de ostra putrefata,
por suas turvas bexigas empedradas de cálculos,
por seus velhos umbigos de ponteira gasta,
por suas corcovas plenas de interesses compostos,
de ações usurárias;
a pestilenta baba,
a boba doutorada,
que envergonha a felpa das bancas com dieta
e outras brandas poltronas não menos cuspidas.
A baba tartamuda,
adesiva, viscosa,
que impregna as paredes forradas de cortiça
e contempla o desastre através da algibeira.
A baba dissolvente.
A acre baba oxidada.
A baba.
Sim! É sua baba…
o que enferruja as horas,
o que perverte o ar,
o papel,
os metais;
o que infecciona o cansaço,
os olhos,
a inocência,
com seus vermes de asco,
com seus vírus de fastio,
de idiotice,
de cegueira,
de mesquinhez,
de morte.

ERA TUDO AMOR!

Era tudo amor… amor!
Não havia nada além de amor.
O amor estava em todo lugar.
Não havia nada para falar além de amor.
Amor embebido em água, baunilha,
amor ao portador, amor a prestações.
Amor que pode ser analisado, analisado.
Amor estrangeiro.
Amor equestre.
Amor de papelão, amor com leite…
cheio de precauções, de medidas preventivas;
cheio de curtos-circuitos, de obstáculos.
Amor com M maiúsculo,
pingando
merengue,
coberto de flores brancas…
Amor espermatozoide, esperantista.
Amor desinfetado, amor untuoso…
Amor com seus acessórios, com suas peças de reposição;
com sua falta de pontualidade e ortografia;
com suas interrupções cardíacas e telefônicas.
Amor que incendeia os corações dos orangotangos e
dos bombeiros.
Amor que exalta o canto dos sapos sob os galhos,
que arranca os botões das botas,
que se alimenta de calor e salada.
Amor inadiável e amor imposto.
Amor incandescente e amor incauto.
Amor inquebrável. Amor nu.
Amor-amor que é, simplesmente, amor.
Amor e amor… e nada além de amor!

POEMA 12

Eles se olham, eles sentem um ao outro, eles
se desejam, eles se acariciam, eles se beijam,
eles se despem, eles respiram um ao outro, eles deitam,
eles cheiram um ao outro, eles se penetram, eles se chupam, eles mudam
, eles adormecem, eles acordam,
eles se iluminam, eles cobiçam um ao outro, eles sentem um ao outro, eles se
fascinam, eles se mastigam, eles gostam um do outro, eles
babam, eles confundem um ao outro,
eles se juntam, eles se desintegram, eles
se tornam letárgicos, eles morrem, eles se reintegram
, eles se distendem, eles se arqueiam, eles se mexem, eles se torcem, eles se esticam,
eles se aquecem, eles se estrangulam
, eles apertam, eles estremecem, eles se sentem, eles se juntam, eles desmaiam,
eles se repelem, eles enervam,
eles anseiam um ao outro, eles se atacam, eles se unem, eles
colidem, eles agacham, eles agarram, eles se deslocam
, eles se perfuram, eles se incrustam, eles Eles confundem,
eles rebitam, eles enxertam, eles parafusam,
eles desmaiam, eles revivem, eles brilham,
eles contemplam, eles incham,
eles enlouquecem, eles derretem, eles soldam, eles calcinam,
eles rasgam, eles mordem, eles assassinam,
eles ressuscitam, eles buscam uns aos outros, eles se esfregam,
eles fogem, eles evadem e eles se rendem.

O PURO NÃO

O não
o não inovum
o não nascido
o
não o não pós-lodocosmo de zeros impuros nãos que noan noan noan
e nooan
e plurimono noan ao amorfo mórbido noo
não demônio
não deo
sem som sem sexo nem órbita
o rígido inósseo noo em unisolo amodule
sem poros agora sem nódulo
nem eu nem cova nem buraco
o macro não nem pó
o não mais nada todo
o puro não
sem não

ONDE?

Eu me perdi na febre?
Por trás dos sorrisos?
Entre os pinos?
Em dúvida?
Em oração?
No meio da ferrugem?
Espreitava a angústia,
o engano,
o verde?…
Ele não estava ao lado das lágrimas,
ao lado do implacável,
acima do desgosto,
apegado à ausência,
misturado às cinzas,
ao horror,
ao delírio.
Eu não estava com minha sombra,
eu não estava com meus gestos,
além das regras,
além do mistério,
nas profundezas do sonho,
do eco,
do esquecimento.
Eu não estava lá.
Tenho certeza!
Eu não estava lá.