Günter Wilhelm Grass nasceu em Danzig, na Alemanha, a 16 de outubro de 1927. Um dos mais importantes escritores do Século XX, venceu o Prêmio Nobel de Literatura, em 1999. Também foi poeta, dramaturgo e artista plástico, ocupando a presidência da Academia de Artes de Berlim, entre 1983 e 1986. Junto a outros literatos, fundou o “Grupo 47”, formado por autores e críticos alemães que tinha como objetivo revitalizar a literatura germânica do período pós-guerra.

Filho de um protestante luterano de origem alemã e uma católica romana de origem cassubiana-polonesa, Grass se identificava como cassubiano e foi criado como católico. Em 1943, aos 16 anos, tornou-se Luftwaffenelfer (“auxiliar” da Força Aérea) e, logo depois, foi recrutado para o Reichsarbeitsdienst (Serviço de Trabalho do Reich). No ano seguinte, se ofereceu como voluntário para o serviço submarino na Kriegsmarine da Alemanha Nazista, mas foi recusado, sendo convocado para a 10.ª Divisão Panzer SS Frundsberg. Até 2006, Grass nunca tinha revelado a sua participação na Waffen-SS. Sua unidade funcionou como uma Divisão Panzer regular, onde ele serviu durante fevereiro e abril de 1945, quando foi capturado em Marienbad (hoje Mariánské Lázně, República Tcheca) e enviado para um campo de prisioneiros de guerra dos Estados Unidos em Bad Aibling, na Baviera.

Crítico à construção do Muro de Berlim, os posicionamentos políticos de Grass sempre atravessaram o seu estilo literário e também às críticas em relação às sua obra. Tido como um dos mais originais e versáteis escritores de sua geração, no entanto, enquanto muitos admiravam e consideravam seus experimentos sublimes, outros, em contraposição, os tratavam como limitados por sua ideologia. Críticos americanos, como John Updike, diziam que a mistura de política e crítica social em suas obras diminui suas qualidades artísticas.

Günter Grass faleceu em Lübeck, Alemanha, no dia 13 de abril de 2015.

ANTES QUE PRESCREVA

Está trancado a sete chaves.
Não aparece com frequência.
Lança sua sombra: aquela.
E respira forte pelo nariz,
tosse, se aproxima: entra.

Quando ela,
.      a porta
.         não quer fechar-se,
porque a madeira foi deformada,
porque um fio de cabelo foi introduzido
na fechadura, porque um ombro…

Quando ela
.      não fecha,
.           a porta,
e a corrente de ar mantém
acordados os velhos papéis, eu
sei que teremos visita.

Mete o pé no meio.
Não chama,
Ele já se senta antes de eu entrar.
E ele não quer sair
até que prescreva.

O NOVO EDIFÍCIO

Ao escavar,
em março,
tropeçamos com fragmentos
que colecionou o museu.
A televisão filmou a entrega.

Ao lançar os cimentos,
em maio,
um italiano pisou o revestimento
e permaneceu enterrado.
Se determinou que tinha sido uma falha humana.

Ao montar os elementos pré-fabricados,
em junho e julho,
alguém esqueceu sua marmita
nos espaços ocos dos muros externos.
Se trata de um isolamento da empresa Schlempp.

Ao instalar as conduções,
ao final de setembro,
desapareceram fotocopias e outros materiais do Leste
sob o que revoga.
Se conectou a calefação a distância.

Ao pôr no solo,
antes que em novembro chegassem os pintores,
deixamos o passado do empreiteiro de obras Lübke
sob o solo.
Mais tarde selamos o parque.

Agora,
a partir de dezembro,
o novo edifício está habitado;
No entanto, os inquilinos se queixam de ruídos colaterais.
Terão que se acostumar.

LIQUIDAÇÃO

Eu vendi tudo.
As pessoas subiam quatro andares,
tocaram a campainha duas vezes, sem alento,
e me pagou no térreo,
porque já tinha vendido a mesa.

Enquanto eu vendia tudo,
cinco ou seis ruas além expropriaram
os pronomes possessivos
e serraram suas sombras para homenzinhos inofensivos,
as privadas.

E vendi tudo.
Em minha casa não resta mais nada.
Consegui vender a um bom preço
até meu último e diminuto genitivo,
que conservava antigamente com carinho.

Tudo eu vendi.
As minhas cadeiras, pernas para que as quero,
o meu armário eu chutei para fora de casa,
deixei descoberta minhas camas…
E me deitei de lado, feliz.

Ao final tinha vendido tudo.
As camisas sem gola nem esperança,
as calças, que sabiam demasiado,
e a um jovem imberbe
dei de presente a minha frigideira

e também o sal que me sobrou.

A BATALHA NAVAL

Um porta-aviões americano
e uma catedral gótica
se afundam
mutualmente no meio do Pacífico.
Até o final
o jovem padre tocava o órgão…
Agora o ar está cheio de anjos e aviões
que não puderam aterrissar.

O POETA

Maligno,
como só pode ser a letra redonda,
se estende pelo papel pautado.
Todas as crianças sabem lê-lo
e fogem
e se os contam aos coelhos,
e os coelhos morrem, se extinguem…
Para quê queremos tinta se já não há coelhos?!

NORMÂNDIA

Os bunkers da praia
não podem se livrar do concreto.
Às vezes chega um general semidefunto
e acaricia as brechas.
Ou são habitados por turistas
por cinco doidos minutos…
Vento, areia, papel e urina:
a invasão não cessa.

INTERROGADO

Por trás da cólera cunhada em moeda grande ou pequena –
exemplo favorito ao que se dava açúcar -,
depois de tantas questões e dar a cambalhota
e uma corda frouxa que, aos ratos,
se tencionava – trabalho sem rede -,
quero, quero agora, quero sem falta…
.       Como vão as coisas? – Tem sido pior às vezes.
.       Tivestes sorte? – Sim, graças ao senhor..
.       E o que tem feito desde então?
.       Os livros dizem como se fugir poderia ter sido melhor.
.       Quero dizer, o quê fizeste tu?
.       Estive contra. Sempre estive contra.
.       E fostes culpado? – Não. Porque não fiz nada.
.       E compreendeu o que podia compreender?
.       Sim. Com o punho compreendi que era a borracha.

.       E tua esperança? – Mentiu ao chamar verde ao deserto.
.       E tua raiva? – Tilinta como gelo no copo
.       A vergonha? – Nos saudamos de longe.
.       Teu plano ambicioso? – Apenas as médias rentáveis.
.       Terias esquecido? – Há pouco, a cabeça.
.       A natureza? – Muitas vezes eu passo por aqui.
.       Os homens? – Eu gosto no cinema.
.       Voltam a morrer. – Sim, eu li…
Quem me ensaboa? Minha costas parecem
tão distantes como – Não! –
Não quero usar mais metáforas,
nem ruminar, nem contar sílabas
e esperar que a biles escreva.
.       Sente-se melhor? Ao que parece, as coisas melhoram.
.       Mais perguntas? – Pergunte o que quiser.

*Poemas do livro “Espólio Lírico”, 2004.
Tradução de Igor Calazans para o Recanto do Poeta