Jidi Majia nasceu em 1961, em Sichuan, China. Poeta e político, foi vice-governador da província de Qinghai, de 2006 a 2010. Pertence a uma minoria étnica chinesa, os Yi, sendo considerado um dos maiores poetas de minorias do país. Publicou numerosas antologias poéticas[2] desde 1980 e ganhou prêmios nacionais de literatura. É o Presidente da Associação Literária das Minorias da China e Vice-Presidente Permanente da Associação dos Poetas da China.


IMAGEM VERDADEIRA

.                                               Para Juan Gelman

Procurando a verdade de um muro,
umas asas te levam
aos limites do pânico.
Fora das palavras,
a consciência rasteja à beira de um pesadelo,
procurando o nome de um atirador
e a distância de uma bala.
Trocam-se mentiras dia e noite.
Onde quer que cantes,
o teu trinado de pássaro dará boas-vindas
a infinitas manhãs de tristeza.
Não há escolha para quem viu
os ossos e o cabelo dos mortos.
A indignação emanará dos teus olhos
mesmo que o coração seja um poço seco.

ILHA

Oh, Ilha! Virá o dia em que termine
a longa e lenta jornada desta vida
e finalmente chegue à tua lagoa!
Oh, Ilha! Estás fora do tempo e da vida!
Aí, o espaço é desconhecido!
Oh, Ilha! És o chamamento da eternidade!
Sou incapaz de te recusar,
tal como sou incapaz de rejeitar o amor.
Oh, Ilha! Consegues ver
que me dirijo a ti?
O bote desta vida navega no vasto mar,
sem caminhos traçados.

VISITA A DANTE

Talvez seja a porta do Paraíso.
Talvez seja a porta do inferno.

Faz então soar a campainha e espera
que abram.

O tempo passa, mas não há som.

Quem sabe onde Dante
foi esta noite?

MENSAGEM

O que desejo
é o que já desejaste para ti.
Sou apenas um símbolo
na imensidão do firmamento estrelado.
Valho menos que um momentâneo raio de luz.

Procuro simplesmente uma oportunidade inesperada
dentro de uma entropia maior
como um rio de fantasias
que lança gargalhadas e lágrimas
em todos os cantos
de áreas ilusórias.

Acreditava que a terra era muito larga.
Na verdade, esse foi o meu erro.
As formas dos mortos dissipam-se diante de nós.
Ó mar do tempo, podes dizer-me
para onde foram todos?

DIA DE OUTONO

Agora sinto a tua falta em Veneza.
Durante todo este tempo não me visitaste,
e será impossível que o faças.
Agora sinto a tua falta noutro país,
onde a luz do sol inunda cada janela.
Esta inexplicável melancolia
é como a maré, gemendo na entrada do porto.
Agora sinto a tua falta numa terra estranha.
O meu sonho coxeia,
cruzando trilhos entrelaçados de memórias.
Agora sinto a tua falta em Veneza,
neste dia de outono, esplêndido e tranquilo.
Parece que estou um pouco febril.

SEMPRE BONITO AMARELO

Está para além de mim expressar por palavras
esse calor que não tem fronteiras,
essa extensão sonolenta da cor.
Está para além de mim explicar com claridade
porque induz as pessoas
a fazerem longas pausas em silêncio.
Ah, voz desconhecida,
linguagem didática,
perdoa-me, porque só te posso dizer,
neste momento de resignação,
que seria impossível mudares-me!

OUVINDO AS ESCRITURAS DO ENVIO DA ALMA

.                                                            Na cultura nuosu, um bimo tem a responsabilidade
.                                                                de oferecer sacrifícios aos deuses e antepassados.
.                                                                  Corresponde ao sacerdote dos países ocidentais.

Se pudesse pedir a um bimo que enviasse a minha alma
ainda nos dias da minha vida,
se pudesse traçar o caminho que conduz aos antepassados
ainda nos dias da minha vida,
se tudo isto pudesse ser feito
e não fosse um sonho,
e se os anciões que partiram
para o seu descanso eterno
perguntassem o que faço todos os dias,
eu responderia com toda a sinceridade
que este indivíduo que sente um amor fervoroso
pelas pessoas de todas as raças
e pelos perfumados lábios das mulheres
muitas vezes fica acordado até tarde a escrever poemas
e nunca fez mal a ninguém.

*Poemas do livro “Palavras de Fogo”, Editora Dublinense, 2020.
Tradução de José Luís Peixoto.