Nina Rizzi nasceu em Campinas, São Paulo, em 1983. Poeta, Mestra em Literatura Comparada – UFC, é Professora de poesia do curso de pós graduação em Escrita Criativa da UNIFOR. Também é tradutora, pesquisadora, editora e curadora, especialmente com enfoque em gênero e raça. Publicou seis livros de poemas e dois de história para infâncias. Faz parte da antologia “As 29 poetas hoje”, organizada por Heloisa Teixeira. Em 2024, foi selecionada para a Residência Literária Atlântica Negra 2024 na Loatad – Biblioteca de África e da Diáspora Africana em Acra, capital de Gana, e agraciada com o Prêmio Internacional Culturas de Resistência (CoR Award).

7.

Eu não preciso menstruar
para ser uma mulher
eu não preciso ter um útero
para ser uma mulher
eu não preciso ter filhos
para ser uma mulher
eu não preciso ser branca
para ser uma mulher
eu não preciso ser hétero
para ser uma mulher
eu não preciso ter vagina
para ser uma mulher

Eu só preciso ser
Mulher

13.

A imensa vagina
escura, profunda, úmida
espalha sementes-mulheres
filhas-deusas
pixando memórias

A imensa vagina
pari o mundo
come e cospe
meninos
que correm-correm
jogando bola
brincando de deuses

tema pra goiabada e barro

porque alguns nomes
são tão desdizíveis
como marido e esposo

êxtase, precipício

porque desse nome
calcanhar ou punho
é tecido destino

fio em desfio
pronto a não-ser

porque de um outro nome
seu nome
pura renda

alcanço a delicada e violenta
potência de dizer

anchova

Banho amor de purificação

.  Para trazer energia positiva, calma, proteção e força
.  Coloco quatro litros de água para ferver com três rosas
brancas, três palmas brancas, três cravos brancos e três colheres
de sopa de flores de alfazema secas. Assim que a água entrar
em ebulição, tampo a panela e deixo abafado por três horas,
após esse período coo a água em um balde.
.  Tomo meu banho normalmente e jogo a mistura em meu
corpo da cabeça para baixo, mentalizando a limpeza da mente
e substituindo toda treva por amor.
.  Jogo todo o resto das flores no jardim.

goiabada em calda

tudo o que mo atraía agora o repele
unhas compridas, cabelos desgrenhados
riso e pés descalços

mas ele não se vai
acostumou-se à sujeira da casa, ao lixo da sacada
e essas vizinhas quase nuas, gostosas

se enraivece, dispara sobre mim sua língua
– ácido

mas não me arranca as saias de crioula
também não me faz acostumar
giro agora mesmo uma dança-de-descer-o-sol

– é meu terreiro, meu terreiro!
e me giro, viro pomba-gira

goiaba flambada

terceira cidade
frutos estalam desde a aurora até agora
cheiro cheiro cheiro

tudo arde na noite fria
e um pressentimento

dança água escura, água clara

minha carne treme

um exagero, um derramamento
um excesso, preencher a água

sorrio com o lábio em pura seiva:
– nada falta ao nosso desejo

Sorvete de goiaba

Ingredientes:
– 8 goiabas
– 3 bananas prata bem maduras
– 2 xícaras de açúcar
– 600 ml de água

Modo de preparo:
– leve a água e o açúcar ao fogo até que ferva e o açúcar se
. dissolva bem
– descasque as goiabas e as bananas e coloque-as no
. liquidificador com a calda de açúcar
– processe bem e coe para retirar os caroços
– leve o sorvete ao congelador e se possível bata o sorvete a
. cada duas horas para que ele fique com poucos cristais de
gelo, quanto mais ele for batido, melhor

Rendimento: 6 porções de amor e gozo

*Poemas do livro “caderno goiabada”, editora Jabuticaba, 2022.