João Baptista da Silva Leitão de Almeida Garrett, mais tarde  1.º Visconde de Almeida Garrett, nasceu na cidade do Porto, em Portugal, a 4 de fevereiro de 1799. Em 1818, adotou em definitivo os apelidos de “Almeida Garrett” (Almeida era o apelido da avó materna, e Garrett era o apelido da avó paterna, nascida em Madrid em 1710 e que tinha vindo para Portugal no séquito duma princesa). Poeta, escritor e dramaturgo, é uma das principais figuras do romantismo português, sendo considerado o grande impulsionador do teatro no país. Também foi ministro e secretário de estado honorário.

Revolucionário nos anos 1820 e 1830, participa fortemente de movimentos liberais. Em 1821 publicou “O Retrato de Vênus”, trabalho que fez com que fosse processado por ser considerado materialista, ateu e imoral.  Precisou viver exilado na Inglaterra em 1823, após a Vila-francada. Em Londres, o poeta tomou contato com o movimento romântico, descobrindo nomes como William Shakespeare, Walter Scott e outros autores que lhe trouxeram uma influência gótica. Também exilou-se na França e na Bélgica, até regressar para Portugal em 1835.

Em relação à sua obra, Almeida Garrett é tido como um dos mais geniais e originais escritores pós Luís Vaz de Camões em Portugal. Suas inovações escritas e pensamentos liberais, abriram novos rumos aos autores do país, que transformariam o romantismo português em um importante movimento de vanguarda.

Almeida Garrett morreu a 9 de dezembro de 1854, em Lisboa, Portugal.


SEUS OLHOS

Seus olhos – se eu sei pintar
O que os meus olhos cegou –
Não tinham luz de brilhar,
Era chama de queimar;
E o fogo que a ateou
Vivaz, eterno, divino,
Como facho do Destino.

Divino, eterno! – e suave
Ao mesmo tempo: mas grave
E de tão fatal poder,
Que, um só momento que a vi,
Queimar toda alma senti…
Nem ficou mais de meu ser,
Senão a cinza em que ardi.

A ROSA – UM SUSPIRO

Se esta flor tão bela e pura,
Que apenas uma hora dura,
Pintado tem no matiz
O que em seu perfume diz,
Por certo na linda cor
Mostra um suspiro de amor:
Dos que eu chego a conhecer
É este o maior prazer.
E a rosa como um suspiro
Há-de-ser; bem se discorre:
Tem na vida o mesmo giro,
É um gosto que nasce – e morre.

ANJO ÉS

Anjo és tu, que esse poder
Jamais o teve mulher,
Jamais o há-de ter em mim.
Anjo és, que me domina
Teu ser o meu ser sem fim;
Minha razão insolente
Ao teu capricho se inclina,
E minha alma forte, ardente,
Que nenhum jugo respeita,
Covardemente sujeita
Anda humilde a teu poder.
Anjo és tu, não és mulher.

Anjo és. Mas que anjo és tu?
Em tua frente anuviada
Não vejo a c’roa nevada
Das alvas rosas do céu.
Em teu seio ardente e nu
Não vejo ondear o véu
Com que o sôfrego pudor
Vela os mistérios d’amor.
Teus olhos têm negra a cor,
Cor de noite sem estrela;
A chama é vivaz e é bela,
Mas luz não tem. – Que anjo és tu?
Em nome de quem vieste?
Paz ou guerra me trouxeste
De Jeová ou Belzebu?

Não respondes- e em teus braços
Com frenéticos abraços
Me tens apertado, estreito!…
Isto que me cai no peito
Que foi?… – Lágrima? – Escaldou-me…
Queima, abrasa, ulcera… Dou-me,
Dou-me a ti, anjo maldito,
Que este ardor que me devora
É já fogo de precito,
Fogo eterno, que em má hora
Trouxeste de lá… De donde?
Em que mistérios se esconde
Teu fatal, estranho ser!
Anjo és tu ou és mulher?

FLOR DE VENTURA

A flor de ventura
Que amor me entregou,
Tão bela e tão pura
Jamais a criou:

Não brota na selva
De inculto vigor,
Não cresce entre a relva
De virgem frescor;

Jardins de cultura
Não pode habitar
A flor de ventura
Que amor me quis dar.

Semente é divina
Que veio dos céus;
Só n’alma germina
Ao sopro de Deus.

Tão alva e mimosa
Não há outra flor;
Uns longes de rosa
Lhe avivam a cor.

E o aroma… Ai! delírio
Suave e sem fim!
É a rosa, é o lírio,
É o nardo e o jasmim;

É um filtro que apura,
Que exalta o viver,
E em doce tortura
Faz de ânsias morrer.

Ai! morrer… que sorte
Bendita de amor!
Que me leve a morte
Beijando-te, flor.

ROSA SEM ESPINHOS

Para todos tens carinhos,
A ninguém mostras rigor!
Que rosa és tu sem espinhos?
Ai, que não te entendo, flor!

Se a borboleta vaidosa
A desdém te vai beijar,
O mais que lhe fazes, rosa,
É sorris e é corar.

E, quando a sonsa da abelha,
Tão modesta em seu zumbir,
Te diz: – “Ó rosa vermelha
“Bem me podes acudir:

“Deixa do cálix divino
“Uma gota só libar…
“Deixa, é néctar peregrino,
“Mel que eu não sei fabricar…”

Tu de lástima rendida,
De maldita compaixão,
Tu à súplica atrevida
Sabes tu dizer que não?

Tanta lástima e carinhos,
Tanto dó, nenhum rigor!
És rosa e não tem espinhos!
Ai! que não t’entendo, flor.

GOZO E DOR

Se estou contente, querida,
Com esta imensa ternura
De que me enche o teu amor?
– Não. Ai não; falta-me a vida;
Sucumbe-me a alma à ventura:
O excesso do gozo é dor.

Dói-me alma, sim; e a tristeza
Vaga, inerte e sem motivo,
No coração me poisou.
Absorto em tua beleza,
Não sei se morro ou se vivo,
Porque a vida me parou.

É que não há ser bastante
Para este gozar sem fim
Que me inunda o coração.
Tremo dele, e delirante
Sinto que se exaure em mim
Ou a vida – ou a razão.

PERFUME DA ROSA

Quem bebe, rosa. o perfume
Que de teu seio respira?
Um anjo, um silfo? Ou que nume
Com esse aroma delira?

Qual é o deus que, namorado,
De seu trono te ajoelha,
E esse néctar encantado
Bebe oculto, humilde abelha?

– Ninguém? – Mentiste: essa frente
Em languidez inclinada,
Quem ta pôs assim pendente?
Dize, rosa namorada.

E a cor de púrpura vida
Como assim te desmaiou?
E essa palidez lasciva
Nas folhas quem ta pintou?

Os espinhos que tão duros
Tinhas na rama lustrosa,
Com que magos esconjuras
Tos desarmaram, ó rosa?

DESTINO

Quem disse à estrela o caminho
Que ela há-de seguir no céu?
A fabricar o seu ninho
Como é que a ave aprendeu?
Quem diz à planta – “Floresce!” –
E ao mundo verme que tece
Sua mortalha de seda
Os fios quem lhos enreda?

Ensinou alguém à abelha
Que no prado anda a zumbir
Se à flor branca ou à vermelha
O seu mel há-de ir pedir?
Que eras tu meu ser, querida,
Teus olhos a minha vida,
Teu amor todo o meu bem…
Ai! não mo disse ninguém.

Como a abelha corre ao prado,
Como no céu gira a estrela,
Como a todo o ente o seu fado
Por instinto se revela,
Eu no teu seio divino
Vim cumprir o meu destino…
Vim, que em ti só sei viver,
Só por ti posso morrer.

*Poemas do livro “Almeida Garrett – Seleção de Poema”, Global Editora, 2011.