Alice de Carvalho Monteiro Penna Firme nasceu no Rio de Janeiro. Poeta e Jornalista tem dois livros de poemas: “Estelar”, de 2009, e “Ultramar e outros mares”, de 2018. Também participa de importantes antologias nacionais de poesias e contos. Sua obra abordam temas que evidenciam o amor em sua mais diversas formas de sublimação. Trata temas do cotidiano, cenários da memória e desejos futuros, com a força imagética de sua expressão poética.

BLUE EYES

Quando vejo o seu chinelo azul
na sala,
meu coração desgoverna, como se aqui estivesses.

na luz rósea do meu quarto
me sinto uma equilibrista com medo de altura.
Meu quarto parece abandonado
e invisível.

Os pássaros ainda cantam,
anunciando a tua chegada breve.

Um frio antigo percorre meu corpo
de súbitos silêncios.
O mundo é bruma confusa.
Procuro algo que definitivamente
não me dás.

De olhos fechados,
penso no nosso primeiro beijo
entre livros e desejos de tantos autores.

Tu me agarravas pelos ombros,
Um vulcão em plena erupção.

Te agarravas pela barba
e eu te olhava,
ah, Blue Eyes.

E parecias um anjo mascarado
de tantas malícias.

Mas depois as gaivotas partiram,
os pássaros levantaram voo
e não mais cantaram.
Só restou me quarto na penumbra.
E o teu chinelo azul
que esquecestes
na sala.

POEMAS CINTILANTES

Tua agressiva sensibilidade
se impõe nas imagens que vislumbro,
músicas e compassos.

Nos textos que faço
poemas cintilantes.

Tua outra face é tão absurda.
Mas tem o esplendor
e o assombro da morte em vida.

O sangue é fogo,
chamas e incêndio.
Mas tens o sonho
que brilha febril no clarão que alimentas
e talvez não saibas.

E a mim
não me importa
mais nada.

CORAÇÃO DE POETA

Não se machuca
o coração de um poeta.
Sente o perfume de florestas
que há nele.
Aproxima-te com cuidado
e escutarás o olhar da vida.
Toca com a pureza dos sentidos
que te restam.
E escondes do mundo.
O coração de um poeta
é esfinge, diamante,
treva entreaberta.
É feito de um sonho súbito.
Ele brilha e pulsa em lampejos
de borboletas.
É uma canção com voz de pássaro.
Mas a carne de um poeta
não é morta.
Sangra
sobre o sangue
a ferver dentro.
Quem me dera dissesses,
francamente,
o que queres do poeta.

ÁRVORES

Contemplo uma maçã e me lembro de Newton.
E da tentação no Jardim do Éden.
E as macieiras povoam minha mente de fantasias.
E todas as árvores contam histórias de vida.

As mangueiras de Belém falam de meu pai
e dos ancestrais paternos.

As jabuticabeiras de Minas lembram a peraltice da minha mãe,
subindo nos troncos, igual a um menino.

E as tamarineiras carregam memórias da infância no Grajaú
com seus frutos desenhando um tapete no chão.

Todas as árvores são belas, tortas
e convidam ao sonho.

Todas me inspiram a contar fábulas
e a falar das florestas que me habitam.

Tantas florestas, tantas histórias,
tantos medos,
tantos sobreviventes há em mim.

MEU GATO QUE NÃO TENHO

Penso que os poetas gostam de gatos.
Eu não fujo à regra.
E o gato que não tenho
sobe no meu armário,
desarruma meus vestidos
e se esconde de visitas inesperadas.

O gato que não tenho é macho e se chama João.
Ele passeia entre as peças de cerâmica
do aparador da sala e não quebra nada.
O gato que não tenho é um equilibrista.

Ele tem uma independência que me seduz.
Brinca como criança e sabe ser feliz
com pouca coisa.

O gato que não tenho é elegante, prateado
e de olhos cor de ardósia,
mas não é o Chico.

O gato que não tenho finge que não existo.
Mas seu lugar preferido é perto dos livros.
Acho que João gosta de ler.

*Poemas do livro “Ultramar e outros mares”, Editora Ibis Libris, 2018.