Goliarda Sapienza nasceu em Catânia, na Itália, a 10 de maio de 1924. Atriz, poetisa e escritora, foi um importante nome da arte e da cultura italiana em sua geração. Com o livro “A certeza do dúbio”, de 1987, venceu o Prêmio Casalotti, de 1994.

Aos 16 anos, matriculou-se na Academia Nacional de Arte Dramática de Roma, cidade para onde sua família se mudou. Durante algum tempo seguiu a carreira de atriz de teatro, destacando-se como protagonista em peças de Luigi Pirandello. No entanto, no final da década de 60, Sapienza abandonou a atuação para se dedicar totalmtente à literatura.

Em 1980, por cometer um assalto na casa de amigos, acabou presa. Na prisão, continuou escrevendo, embora publicando pouco.

Goliarda Sapienza morreu em 1996, em Gaeta, Itália.


Advertência

Inventarei cravar-te em minha morte
Neste quarto confinado
por cortinas de papel que dilatam
o sal num alvor de gelo
Neste alvor deslumbrado de lembranças
cravarei os teus dedos nas minhas palmas

*

Escuta-se
sempre uma voz
Sempre
olha-se um rosto
Espera-se
hora em hora quem
deve chegar
Espia-se
o seu retorno
os seus alvores
o seu recostar-se
na grama da noite
Agora sozinha
te precipitas no barranco dos teus gritos

Infância 2

Sem suspeita sob o sol
sem suspeita esse ventre carregado
da serpente do teu sangue. Partidos
os seios no primeiro abrir-se ao suor
da camiseta de fio branco
de escócia. Corres e não sabes
que nesta noite a lua enrodilhada
na varanda espiará o teu torpor
e sem pedir te roubará a infância
de sob o travesseiro.

*

Te vi rir sozinha
à noite. Deslizar
do tecido áspero
as amêndoas do seio.
Romperam-se as estrelas
enquanto a lua prenhe deformada
espreitava entre os barcos
murmurando
desatinados rancores, lamúrias.

*

Xales pretos fixados contra o sol
precipitam o delito. Um luto estreito
envolve os telhados o mar. Os ratos
sedentos esperam o sinal, a ressaca
com seu espólio de algas
cadáveres conchas.

*

Está arranjado.
A tia vida
à beira-mar
a minha morte
no fundo do poço.
Está arranjado,
a mesa servida
com vidros e com facas.
Está arranjado
há tempo
o teu retorno ao meu
poço d’agua pluvial.

*

O medo tem uma grande cara de lua
e duas moedas por olhos. Se te olha
ao dormir, estás perdida
sem filhos viverás e morrerás
desprezada por todos sem lençóis.

*

Chuva de ódio do céu
cai nos gramados e resseca
a relva as mãos arde o cabelo cega
o homem que atento alto fitava esse
voo de asas.

Granizo de ódio nos telhados
arrebenta os muros
serra os tendões no trote do cavalo
que tomba fumegante nos cascalhos.

*Poemas do livro “Ancestral”, Editora Âyiné, 2020.