Christian Otto Josef Wolfgang Morgenstern nasceu em Munique, Alemanha, no dia 6 de maio de 1871. Poeta, escritor e jornalista, é reconhecido pelo estilo nonsense e aprofundamentos filosóficos. Com muitos problemas de saúde durante toda a vida, faleceu no dia 31 de março de 1914, por tuberculose contraída de sua mãe, quando morava na comunidade de Merano, na Itália. Ficou muito popular na Alemanha após sua morte, diversar escolas ganharam seu nome, além de numerosas instituições públicas que homenageiam a obra do poeta. Apesar de ainda pouco lido no Brasil, vários grandes nomes da nossa literatura fizeram traduções de seus poemas, como Haroldo de Campos e Paulo Mendes Campos.


Os dois burros

Um burro macambúzio e mal com a sorte
diz, certa vez, à legítima consorte:

“Eu sou tão burro e você é tão burra.
Morramos logo!” – ele fala, ou zurra.

Mas, como sói acontece frequentemente,
vivos ficaram, zurrando alegremente.

*Tradução de Sebastião Uchoa Leite

A caneta que transporta cultura

Burguês Idílio, ou fábula-cometa
surge, ao levar-se ao bolso uma caneta.

Pois, espetada a capricho, ela aponta
direto e acima uma dourada ponta.

Se em quatro pés ficasses como bicho
a seiva se esvairia num esguicho.

Leva a caneta em ponta! (Eis o trato:
para que não caias nunca de quatro.)

*Tradução de Sebastião Uchoa Leite

No planeta das moscas

No planeta das moscas, o homem
não se acomoda nada bem:
pois o que aqui faz às moscas
elas lhe fazem lá, também:

Grudar em cartões melados
uma pessoa atrás de outra,
e sendo muitos condenados
a boiar em cerveja doce.

Só num ponto se mostram as moscas
aos homens superiores: elas não
nos assam em broas ao forno,
nem nos bebem por distração.

*Tradução de Sebastião Uchoa Leite

As placas

Não se deve zombar das placas que trazem
uma mão mostrando o que ali fazem,

o nome de um bar que atrai o freguês,
os regulamentos que a polícia fez.

Elas são, se nada mais fala neste vasto mundo,
um maravilhoso exemplo, justo e profundo.

Sua modesta presença é uma lição de cultura:
aqui reina o homem, não mais o urso e o miúra.

*Tradução de Montez Magno.

Vice-versa

Um coelho parou no descampado,
certo de que não fora notado.

Porém, segurando um óculos de alcance,
um homem observa a cada lance

do alto de um monte, atentamente,
o orelhudo anão à sua frente.

Por sua vez ele é visto sobretudo
por um Deus distante, meigo e mudo.

*Tradução de Montez Magno.

Nascimento da filosofia

Espantada, a ovelha me olha enquanto come,
como se vira em mim o primeiro homem.
Seu olhar contagia; pasmamos; está parecendo
que pela primeira vez uma ovelha estou vendo.

Tradução de Montes Magno

Jogo da natureza

Cão
com malhas fulvas
em campo branco
caça perdiz
com malhas brancas
em campo fulvo:
jogo jocoso
corrida em corredor
direita – esquerda
esquerda – direita
acima
abaixo.

Súbito
(Deus nos livre
de semelhante coisa!)
em meio à rinha
e raiva
da beli-
cosidade
(oh!
descrever
quem
há-
de!)
saltam –
como a um
reci-
proco sinal
de ambos os pro-
prietários
em compasso binário –
as malhas de perdiz
soltas
frouxas
de seu engaste
por sobre o cão
e as malhas do cão
de sua parte
sobre a perdiz
(que ou-
sada proeza
mútuo compromisso
quadro nunca visto
processo a ser provado
no vasto domicílio
ciclo
ronda
ciranda
da natureza!):
cão – branco
fulva – perdiz
é o matiz!

*Tradução de Haroldo de Campos

A cadeira de balanço no terração deserto

Sou uma triste cadeira de balanço
e balanço no vento,
.                             no vento.

Só, no terraço, ao relento,
e balanço no vento,
.                              no vento.

E me embalo e me abalo noite adentro.
E se embala e tatala a tília.
Quem sabe o que mais cambalearia
no vento,
.             no vento,
.                         no vento.

*Tradução de Haroldo de Campos

*Poemas do livro “Jogo da Forca”, Editora 34, 2024.