Se quem pensa vive à beira da loucura,
Quem escreve endossa insanidades,
Quem canta solta a voz da amargura,
Quem dança expõe o corpo à veleidade;
Quem esculpe molda a face nua e crua,
Quem ilustra pincela infâmia em imagens,
Quem retrata fotografa a luz escura…

Os que contemplam, quais das loucuras fazem?

SUPOSTO

Com quem eu falo
quando me abro
e durmo e acordo
às noites espargidas?

A quem olho
quando todos não veem
e desvio o olhar
quando me sinto um alvo famélico?

Quem se tonou num lastro de vida
a luz da própria direção
entre os caminhos do ocaso
e das torpes partidas?

Quem é que sempre volta
às voltas da esperança
e das danças de azada alegria?

Quem, afinal, saberia
que nas moradas das almas
habitam os dias
e que estão em nós mesmos
as réplicas das reticências?

A quem rogo e absorvo a atávica presença
em vias desaires,
de poucos detalhes,
que nos geram errantes?

Há alguém que escuta
do outro lado do medo
e que saiba as respostas
e não as guardam em segredo?

BATE, SAUDADE

A janela entreaberta
tanto para dentro
como para fora.
As cortinas cortam
contra o vento
(presságio do mau tempo
que parece ser a hora).

A rajada traz poeira
(batem as entradas do poente)
que refega em tempestade.
Tranco a porta da varanda
para que as flores não debandem
com a força da saudade.

Se fosse para fugir da vida,
seria para a sua.

EM TEMPO

Estranho não reconhecer mais
alguém que te conhece tanto.
É curioso estar tão longe de alguém
que te viveu tão perto.
É conflitante não saber mais nada
de alguém com quem você guarda segredos.
É desumano o orgulho
É nefasta a inércia
É burra a ignorância
É pérfida a indiferença.
Tudo isso não é nada mais
do que recontar a eternidade
de trás para frente,
de frente para trás,
achando que um dia
é feito dos motes do tempo
e que ele sim, sabe o que faz.
O que você faria
se eu morresse ontem?
Pediria desculpas antecipadas
à decrépita memória?
Levaria rosas ao jazigo?
Cantaria meu arcano réquiem
ou se arrependeria de não ter
me abraçado num amanhã
como o dessa tarde?
Ah, altivez…
Não deixe para outrem
o que com quem queres
sempre hoje.

SEUS LÁBIOS

Eu me lavro na afasia desse beijo,
vermelho com as marcas da vontade

Em seus lábios moram as cores do desejo,
sem cotejos a qualquer tonalidade.

Meu corpo,
ávido pela presença de sua língua,
vive às queixas da libido que aflora

o veneno da mais rara rubra vida
da vil sina de quem sente,
mas não toca.

GRITO DE LIBERDADE

Em seu gozo,
Mil alforrias
Escorrem no peito abertas sangrias,
Ao orgasmo da instância ser livre.

Nas lágrimas,
Centenas de desejos
Açoitados pelo lar dos ensejos,
Esvaem esmeradas pelo ardor que atinge.

Na voz,
Dezenas de palavras cantadas
Soam roucas, trêmulas e pouco faladas,
O prazer do brado ecoado.

No beijo,
O único clamor de saudade
Se queixa à derradeira vontade
De amar e também ser amado.

SONETO FANTASMA

Sussurram ventos assombrados,
remirados às sombras de avejões
e solitários por espasmos inquietos.

Sopram uivos do ar propagado
pelos vácuos de outros deixados,
invisíveis a tez dos reflexos.

Medos, medos,
soturnos medos de estarem
entre aqueles que só enxergam
pairando pelas portas do vento

de um portal sem caminho,
entreaberto por um feixe de vida
que dá escolhas de chegada ou partida
à luz do cabal nascimento.

SE PUDESSE LHE DIZER TUDO QUE SINTO

Se pudesse lhe dizer tudo que sinto,
mentiria, com certeza, a mim mesmo.
Os versos que vos deixo não são limpos,
e as frases contradizem meus desejos.

Se pudesse lhe dizer tudo que sinto,
apelaria à vaga luz de um ensejo.
O mais acre sabor do desatino
não sacia o olhar de quando a vejo.

Se pudesse lhe dizer tudo que sinto,
lembraria, amor, que tive medo,
mas que jamais me entreguei arrependido.

Pois, meu amor, o nosso amor foi tão bonito,
que morreria a guarda nosso segredo
se pudesse lhe dizer tudo que sinto.

ENTRELINHAS

Este é quase um poema de amor,
pois não é só amor que estou sentido.
Na tal linha que se aproxima ao ódio,
se disse que também há remorsos,
meus versos não estariam mentindo…

Por isso, não é superficialmente amorosa
as linhas que carrego evasivas.
Entre rancores e paixões dolorosas,
que fere, mas também consola,
o nó é um laço da vida.

E se queres que digas que amo,
digo em voz estridente:
– Por mais que seja a raiva que clamo,
o ódio, que nos livre do engano…
Há paixão escrita na gente.

TRAIÇÃO DA LUA

Desculpe, amor,
mas namorei a lua à noite inteira…
Não sei se dei bandeira,
mas enquanto dormias em meus braços
beijei a luz do breu soturno adornada por estrelas.

Que noite! Ali, apenas nós,
diante os astros do tempo contemplado.
Ela estava tão cheia, tão farta e dona de si,
que quando o meu olhar a penetrava
a via toda clareava pelo céu de um fruto azo.

Não fique com ciúmes, meu amor…
O céu dilúculo sempre chega
e com ele vem à tona mais calor
aos sentimentos explorados nessa vida.

A noite tarda, cai magia,
o sol consola numa vexe peregrina,
e oculta às luzes infiéis da lua,
que se refuta e me dá as costas
da noite para o dia…

*Do livro “DEVANEIOS: O RECANTO DO POETA”, Travassos Publicações, 2015.

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Sobre o Autor:

Igor Calazans Abreu, nascido em Niterói-RJ, em 1986, é Poeta, Jornalista e Produtor Cultural.  Publicou, até o momento, 5 livros, sendo quatro de poemas e um de entrevista sobre o atual cenário da poesia brasileira. Tem participação destacada em importante antologias nacionais, além de poemas traduzidos para outras línguas, inclusive idiomas árabes. Neste livro, que é o seu de estreia, o poema “Grito de Liberdade” ficou em terceiro lugar do Concurso Nacional “Prêmio Sarau Brasil”, de 2014, organizado pela Editoria Vivara em parceria com a Rede Brasil.