Por Igor Calazans

Clarice Lispector, segunda ela mesma, não era “poeta”. Para a autora, o/a poeta era quem passava horas, dias, semanas, meses, anos, décadas… a pensar, trabalhar palavras, tocá-las e retocá-las de forma estética e artística. Clarice não tinha tempo para não escrever a sua intensidade. Porém, negar a poética de Clarice é um erro crasso. Sua literatura apresenta não só pensamentos extremamente imagéticos, sensoriais e enigmáticos, como estruturas rítmicas que nos permite alçarmos interpretações pela harmonia de sua voz. Ler Clarice Lispector é desbravar um mundo de cenários tão íntimos de um único ser quanto o de toda a humanidade. Para exemplificar da melhor maneira, escolhi 10 trechos de textos da autora para sentirmos sua poesia em nossa vida.

01 –Parambólica – o que quer que queira essa palavra. Parambólica que sou. Não me posso resumir porque não se pode somar uma cadeira e duas maçãs. Eu sou uma cadeira e duas maçãs. E não me somo.”

 

02 – “Podia ficar tardes inteiras pensando. Por exemplo: quem disse pela primeira vez assim: nunca?”

 

 

03 – “O presente é o instante em que a roda do automóvel em alta velocidade toca minimamente no chão. E a parte da roda que ainda não tocou, tocará num imediato que absorve o instante presente e torna-o passado. Eu, viva e tremeluzente como os instantes, acendo-me e me apago, acendo e apago, acendo e apago.”

 

 

04 – “O que saberás de mim é a sobra da flecha que se fincou no alvo. Só pegarei inutilmente uma sombra que não ocupa lugar no espaço, e o que apenas importa é o dardo. Construo algo isento de mim e de ti – eis a minha liberdade que leva à morte.”

 

 

05 – “As árvores cresciam como se não houvesse no mundo senão árvores crescendo. Até que o sol escureceu, gente se aproximou, poços se multiplicaram e os mosquitos saíam do coração das flores: estava-se crescendo.”

 

 

 

06 – “Eu, gazela espavorida e borboleta amarela. Eu não passo de uma vírgula na vida. Eu que sou dois pontos. Tu, és a minha exclamação. Eu te respiro-me.”

 

 

07 – “Eu sinto uma beleza quase insuportável e indescritível. Como um ar estrelado, como a forma informe, como o não-ser existindo, como a respiração esplêndida de um animal. Enquanto eu viver terei de vez em quando a quase-não-sensação do que não se pode nomear. Ente oculto e o quase revelado. É também um desespero faiscante e a dor se confunde com a beleza e se mistura a uma alegria apocalíptica.”

 

08 – A explicação de um enigma é a repetição do enigma. O que És e a resposta é: És. O que existes? E a resposta é: o que existes. Eu tinha a capacidade da pergunta, mas não a de ouvir a resposta. Não, nem a pergunta eu soubera fazer. No entanto, a resposta se impunha a mim desde que eu nascera. Fora por causa da resposta contínua que eu, em caminho inverso, fora obrigada a buscar a que pergunta ela correspondia. Então eu me havia perdido num labirinto de perguntas, e fazia perguntas a esmo, esperando que uma delas ocasionalmente correspondesse à da resposta, e então eu pudesse entender a resposta.”

 

 

09 – Existir é tão completamente fora do comum que se a consciência de existir demorasse mais de alguns segundos, nos enlouqueceríamos. A solução para esse absurdo que se chama “eu existo”, a solução é amar um outro ser que, este, nós compreendemos que exista.”

 

 

10 – Um dia virá em que todo meu movimento será criação, nascimento, eu romperei todos os nãos que existem dentro de mim, provarei a mim mesma que nada há a temer, que tudo o que eu for será sempre onde haja uma mulher com meu princípio, erguerei dentro de mim o que sou um dia. Eu serei forte como a alma de um animal e quando eu falar serão palavras não pensadas e lentas, não levemente sentidas, não cheias de vontade de humanidade, não o passado corroendo o futuro!”