Harryette Mullen nasceu no dia 1º de julho de 1953, em Florence, Alabama, Estados Unidos. Professora na Universidade da Califórnia, é uma das poetas afro-americana contemporâneas mais estudadas em círculos literários do seu país. Ao longo de sua trajetória poética, pode-se identificar o desenvolvimento de uma relação complexa com a construção da identidade feminina (negra). Essa construção, no início de sua carreira, acompanha a afirmação de um lugar mais seguro e até mais “verdadeiro” para abarcar o sentido da existência feminina, chegando à desconstrução, em sua poesia atual, de qualquer centralidade ou essencialidade na busca por uma identidade feminina que seria mais autêntica.

Círculo de Mulher

Tente fazer uma mulher
que seja completa
Seu corpo uma tigela para pegar a chuva
um jarro redondo para servir vinho
um pote de barro para armazenar grãos

Tente desenhar um círculo
para sobreviver ao fim do mês
para completar o círculo
desta mulher
Como girar a roda
para circunavegar o globo
para enrolar e assar o barro
para fazer essa mulher
que é uma lua cheia
com força tal
para sacudir o oceano

Não somos responsáveis

Não somos responsáveis por seus parentes perdidos
ou roubados. Não podemos garantir sua segurança se
você desobedecer às nossas instruções. Não apoiamos
as causas ou reinvindicações de pessoas que imploram
por esmolas. Reservamo-nos o direito de recusar
serviço a qualquer pessoa. Sua passagem não garante
que honraremos suas reservas. Para facilitar nossos
procedimentos, limite sua atuação. Antes de decolar,
favor extinguir todos os ressentimentos latentes. Se
você não consegue entender inglês, será expelido do
caminho. Em caso de perda, é melhor cuidar de si
mesmo. Seu seguro foi cancelado porque não podemos
mais lidar com suas reclamações pavorosas. Nossos
encarregados perderam sua bagagem e não conseguimos
encontrar o recurso do seu processo legal. Você foi
detido para interrogatório porque se enquadra no perfil.
Não se presume sua inocência se a polícia tiver motivos
para suspeitar que você carrega uma carteira escondida.
Não é nossa culpa que você tenha nascido com a cor de
uma gangue. Não é nossa obrigação informá-lo sobre
seus direitos. Afasta-se, por favor, enquanto nosso
oficial inspeciona sua péssima atitude. Você não tem
direitos que somos obrigados a respeitar. Por favor,
mantenha a calma ou não seremos responsabilizados
pelo que acontecer com você.

Trocando de pele

Puxando a velha pele cheia de cicatrizes
(velha coisa áspera de que não preciso mais,
vou me despindo
deslizando para fora
deixando para trás)

Arranco as escamas mortas
jogo as lascas de pele no chão

Eliminando a resistência
descascando as camadas
até as coisas vulneráveis

E estou piscando as velhas pálpebras
para uma nova maneira de ver

Nesta rocha em que me esfrego
serei delicada novamente

*Poemas do livro “Você lembrará seus nomes – Antologia de Poeta Negras dos Estados Unidos do Século XX”, Editora Bazar do Tempo, 2024.  Tradução de Nina Rizzi.