Antonio Augusto Pereira de Melo, mais conhecido como Mano Melo, nasceu em Serra Dantas, município de Jaguaruana, no Ceará, em 1945. Com apenas 1 ano de idade foi morar com a avó em Fortaleza, onde viveu até os 16 anos, quando veio para o Rio de Janeiro. Poeta, romancista, ator e roteirista com vários livros publicados, participa ativamente da cena cultural do país, interpretando seus poemas em teatros, TVs, rádios, bares, universidades e escolas. Junto com Pedro Bial e Claufe Rodrigues fez parte do projeto poético Ver o Verso. Em 2020, foi considerado pela Revista Bula um dos 12 maiores poetas vivos do país.
Súcubos e íncubos
Súcubo: demônio feminino
que vem pela noite copular
com um homem
perturbando o sono e causando pesadelos.
Íncubo: demônio masculino
que vem pela noite copular
com uma mulher
perturbando o sono e causando pesadelos.
Súcubos e Íncubos são diabretes do mesmo nicho,
farinhas do mesmo tacho,
fragmentos de um mesmo todo.
Desta gangorra é que se extrai a semente
que dá origem à Humanidade.
E a todas estas hordas de bichos e gentes
que se espalham pelo mundo inteiro
em campos e caridades,
todo ser vivo que respira no mundo,
exceto as plantas.
Estas se reproduzem por esporos.
Coitadas!
Zeus entrega a Dionysos o teatro do mundo
Eu sou Zeus.
Sou o Deus Maior,
o mais Poderoso de Todos,
o Deus dos deuses!
Eu sou Zeus e governo o mundo.
Minha amada é Hera, a deusa-terra,
a quem fecundo com a bênção da chuva.
Seus frutos embriagam – como a uva.
Eu sou Zeus.
Sou o Deus Maior.
Mas como medir a dimensão dos deuses?
Sou um ser imortal
que morre uma vez por ano,
depois da fecundação,
como a abelha e o zangão.
Nasço com a primavera, frutifico no verão,
e morro no outono –
porque o inverno é o sono
dos deuses.
Assada ou crua,
minha carne é devorada
por divindades nuas,
em festins à luz da Lua.
De todos os meus filhos,
o filho de Perséfone
é o meu preferido.
Dionysos é o seu nome,
esta criança que trago aqui em meu colo.
Para escondê-lo dos ciúmes de Hera,
entreguei-o aos cuidados de Apolo,
até o raiar da manhã.
Mas Hera descobriu e o entregou
pra ser devorado pelos Titãs.
Em minha perna, plantei suas cinzas,
até que brotassem e renascessem.
Esta criança me desperta amor.
Assim como dois mais dois são quatro,
ele será meu sucessor
na régua do mundo,
e fará do mundo um vasto Teatro.
Assim será. Porque assim é.
Evoé!
A raposa e as vulvas
Não se assuste, muchacho,
se eu lhe disser que a vida é um cacho,
uma parreira carregadinha de uvas.
Sem essa da raposa das gravuras.
Como agora: estão todas maduras!
Cantiga
Você é uma emanação da Graça Divina.
Mais bela que o Pão de Açúcar e o Corcovado juntos,
que a Vênus de Milo ou a Capela Sistina.
Mais sábia que a Biblioteca de Alexandria.
Mais equilibrada que os Jardins Suspensos da Babilônia.
Mais firme que a Muralha da China.
Mais perene que as neves eternas do Himalaia.
Límpida como os mares da Oceania
e a brancura de suas praias.
Exata como uma lei matemática,
contundente como o Teorema de Pitágoras.
E também: enigmática
como o sorriso da Gioconda,
melodiosa como uma noite de ronda
que se quiebra en la tiniebla de mi soledad.
Você é a existência que atravessa as idades,
a satisfação de todas as necessidades,
a afirmação de todas as verdades,
e a negação de todas as mentiras.
Entre as Sete Maravilhas da Natureza,
você é a oitava,
com sua beleza espontânea,
contemporânea,
da hora.
Nada Consta
Sua vida é uma luz escura,
onde não cabem saudades nem salamaleques.
Quando precisa de alguém,
sai na noite e procura.
Não permite nenhum afeto se intrometer,
nenhum querer-bem.
Seu coração é um bloco de granito
em cofre de banco.
Aguentar o tranco,
suportar o atrito,
sufocar a dor,
calar o grito
são seus atributos.
Estudou teatro e literatura,
mas acha atores e literatos
um tanto ou quanto prostitutos,
vaidosos e chatos.
Gosta de um rapaz,
à sua maneira.
Não se entrega por inteiro.
No dia em que o vê
está bem.
E quando não,
também.
Se o encontra com outra,
aceita.
Alma,
mas não demonstra.
No livro do amor,
nada consta.
*
Quando amamos,
cometemos loucuras,
porque cada amor
será inesquecível.
Existe a vontade
o élan,
o desejo,
e sem isto os dias seriam
lentos e monótonos,
um caminhar sem vontade,
sem rumo
e sem prumo,
sem gritos e nem tampouco
sussurros.
O mundo seria
uma madrugada mendiga,
inimiga
e de desolação.
O amor entra sem avisar,
vicia no beijo
e transforma.
Aboio,
gado de corte,
comboio de cordas,
coração.
*Poemas do livro “Poemas do Amor Eterno”, Cangaceiro Elétrico Editora, 2011.