Norbert Hummelt nasceu em Neuss, Alemanha, no dia 30 de dezembro de 1962. Poeta, ensaísta e tradutor, é considerado um dos mais experimentais autores de sua geração. De 1988 a 1992 foi chefe da Kölner Autorenwerkstatt; um grupo de autores em Colônia. Com sua segunda coletânea de poemas, singtrieb de 1997, aproximou-se dos conceitos da poesia romântica. Desde janeiro de 2006 vive em Berlim. Lecionou e deu aulas de escrita criativa no Deutsches Literaturinstitut Leipzig e trabalha para a revista Text+Kritik.
monólogo
é noite, as sombras deslizam do outro lado da rua,
estamos deitados, sem conseguir adormecer. de onde
vem este desassossego? será a luz do sol em pleno inverno
que nos põe de rastos? em que pensas no escuro?
ouves o tiquetaque no meu relógio? sentes o coração
a bater mais forte? certa vez, eu ainda não vivia em berlim,
vi enormes bandos de gralhas a sobrevoarem a cidade.
andei só pelo centro vazio, o mercado de werder,
o ministério dos negócios estrangeiros, as ruas levavam-me para longe,
a mim que sempre estive condenado a andar a pé. outra vez,
a minha mãe era ainda viva, caminhávamos ao longo da via férrea
quando me assaltaram os velhos pensamentos,
davam-me voltas à cabeça, não conseguia ouvir o que dizia,
mas ela não parava de falar, uma gralha gritou
dos ramos para outra gralha na erva e a minha mãe,
porque isso a fez recordar alguma coisa, mostrou o seu desagrado.
do outro lado da rua vemos de novo as sombras, rápidas, enormes, deslizam
pelas fachadas, consigo sentir o desassossego e necessito da tua mão.
*Tradução de Paulo Teixeira
papoila
passámos fulda. na carruagem a luz pálida
das lâmpadas reflete-se na janela à minha frente.
tu escreves que o tempo aí está nublado e fresco
e perturba-me o coração a bater em desatino assaltou-me
era o verde ondulante e o vento no pátio quando a
árvore se agitava ouvia os gritos de alerta da pega
seguiu-me de outra vida em que havia uma
árvore no pátio e na manhã a luz que tudo inunda
e uma voz de longe diz: acabámos de passar kassel, ainda
faltam duas horas e meia sou impaciente e mais velho
que tu e sem me mover avanço a toda a velocidade para göttingen
e vejo os taludes vermelhos das papoilas e não consigo
prometer o tempo que se me escapa a nenhuma das imagens de passagem.
isso e a espera insuportável pelo momento em que me voltes a beijar
dando por finda a nossa desavença vai-me consumir até hildesheim.
*Tradução de Paulo Teixeira
sob a redoma
sob a redoma
as magnólias ainda não estão
no auge, porém
algo pressiona minha pálpebra esquerda
e envia ondas de choque
ao meu cérebro, como se o lilás
já tivesse passado por mim
segure a redoma erguida, ainda não é
hora de baixá-la novamente, pelo amor de Deus,
por favor, não ao meu redor, tudo o que
quero é continuar respirando
para conseguir ar suficiente, dilatar
artificialmente minhas pupilas com colírio
para que, só desta vez, eu não
perca o florescer delas, os clarões
brancos das castanheiras,
sobre os quais sonharei nesta
cápsula agora e para sempre,
com todas as minhas veias e artérias
*Tradução de Igor Calazans