Cecilia Pavón nasceu em Mendoza, Argentina, a 9 de janeiro de 1973. Poeta, contista e tradutora, fundou, ao lado da artista plástica Fernanda Laguna, a editora e galeria de arte “Belleza Y Felicidad”, instituição que influenciou a cultura underground argentina no final dos anos 90 e início dos anos 2000. Sua obra é caracterizada pela busca profunda das forças artísticas que sublimam os sentimentos e as subjetividades da mensagem poética.
CORREÇÃO DO POEMA DE AGORA HÁ POUCO:
Querido Camilo,
te proponho que a gente escreva poemas terrivelmente sombrios,
terrivelmente inapropriados;
poemas, inclusive, cheios de violência.
Por exemplo: um poema em que você me mata.
E aí sim, então, podemos falar do céu
(que minhas vísceras estão no céu)
embora depois pense que, como diz
Madonna, meu coração está cheio de luz e amizade
e nunca poderia imaginar e muito menos escrever
um poema desses.
UM POEMA RUIM
Agora penso
que desde que começamos a escrever este livro
sua ansiedade se transformou em minha ansiedade,
que essa é a maldição dos poetas e da poesia:
contaminar-se e mudar,
enlaçar-se para destruir-se.
Você tem o coração despedaçado,
eu tenho o coração despedaçado,
– numa tragédia grega
anagnórise é reconhecimento -.
Se nos reconhecemos nestas páginas
é apenas para desaparecer.
Você se confina na sua casa em Santiago
e eu caminho pelas ruas do Once
buscando mensagens nos corpos
das pessoas que passam.
Quando o amor acaba
é como Auschwitz.
Era Adorno que dizia
que depois de Auschwitz
não se pode escrever poemas?
A CRÍTICA DA ARTE
Uma vez conheci um crítico de arte que não podia amar, apenas
. dizer se uma obra era boa ou ruim.
Embora também se enganava nisso porque ao lhe faltar a fé
. mais importante de todas, a chama que move o mundo e
. todas as coisas, sempre escolhia obras instranscendentes.
Obras nascidas da indiferença e não da empatia.
Ele afirmava que o mundo não importava para as obras de arte, e
. sempre citava um artista conceitual
que tinha enterrado um escultura para que ninguém a visse.
Eu, no meu caso, não ia a museus fazia anos, porque a pintura
. tinha deixado de me emocionar.
Num dia que nos encontramos para tomar um café, lhe disse:
“Eu acredito no amor, a fé mais importante de todas, a que move
. o mundo e todas as coisas”.
Mas assim que terminei de pronunciar a frase, me dei conta de que
. meu coração estava gelado
e meus olhos eram duas rochas enterradas no mar para sempre.
ADORO
Adoro levar meu filho todos os dias na escola
Adoro limpar a casa e comer frutas secas
Adoro escovar as camisetas pra tirar as manchas antes de
. colocá-las na máquina
Adoro passar o pano no piso de cerâmica antes da minha oficina
. de poesia
Adoro ir nadar numa piscina no bairro do Once
Adoro tomar um café num shopping enquanto espero que meu
. filho saia de um aniversário
Adoro ver tevê à noite
Adoro ler um romance de César Aira
que diz que a iluminação está apenas nas pequenas coisas
TENHO VONTADE DE ESCREVER
Para além do que digam os astros
tenho vontade de escrever…
Para além da cor do céu e da beleza da palmeira ou, talvez,
. precisamente por causa delas, tenho vontade de escrever
em minha pequena área de trabalho, de móveis velhos que eram
. dos meus pais…
Tenho vontade de escrever
olhando no facebook as fotos de pessoas que conheci durante
. a minha vida…
Tenho vontade de escrever…
Escrever como se fosse cravando um punhal na névoa
KIND
Estou de joelhos
Dos meus joelhos saem dois filetes de sangue
Estou num plano superior
E os dois filetes de sangue como duas ruas
Correm por uma folha em branco que está debaixo de mim
Nessa folha está escrito o nome do rapaz
Mais lindo do mundo
O sangue dos meus joelhos mancha as letras do
Seu nome
Sua beleza é como o sol
Às vezes sua imagem vem a mim
No meio de alguma festa
Em que danço sozinha.
O rapaz mais lindo do mundo logo virá a Buenos Aires
E caminharei ao seu lado o tempo todo
Talvez um dia enquanto caminhamos por San Telmo,
Por La Boca, ou por qualquer lugar
Diante de nós se abra um poço profundo
Que nos engolirá
Então cairemos, cairemos
Por esse poço
Até o centro da Terra.
*Poemas do livro “Fantasmas Bons”, Editora Macondo, 2023.
Tradução de Eduarda Rocha