Tao Yuanming, também conhecido como Tao Qian, nasceu na cidade de Chaisang (atualmente Jiujiang), na China, durante a dinastia Jin Oriental (317–420), no ano de 365. Poeta e político, foi um dos intelectuais mais conhecidos durante o período das Seis Dinastias. Conhecido como recluso, passou grande parte de sua vida no campo, cultivando, lendo, bebendo vinho, recebendo convidados ocasionais e escrevendo poemas nos quais frequentemente refletia sobre os prazeres e dificuldades da vida, bem como sua decisão de se retirar do serviço público. Durante a dinastia Song do Norte (960-1127), figuras literárias influentes como Su Shi (1037-1101) declararam-no um modelo de autenticidade e espontaneidade na poesia, sendo considerado o principal representante do que hoje conhecemos como poesia de Campos e Jardins.

POEMA AO ESTILO ANTIGO I

No segundo mês da Primavera
chega a estação das chuvas,
logo que o primeiro trovão
se ouve como um estrondo a leste,
todos os seres escondidos
mostram o semblante aterrorizado
ervas e árvores espalham-se
em todas as direções
e alegres se agitam as andorinhas
que acabaram de chegar,
um casal entra na minha cabana
mas em conjunto conseguem
regressar à antiga morada
o ninho que deixaram
continua intacto
desde que nós nos separamos,
o pátio vai-se aos poucos cobrindo
de vegetação rasteira
se é verdade que o meu coração
é uma autêntica rocha
de que é feito o sentimento?

POEMA AO ESTILO ANTIGO 2

Espetacular é a vista
do pavilhão de cem pés,
tão alto refúgio para as nuvens
que ali regressam ao entardecer
e descanso para as aves
em seus longos voos matutinos
os olhos abraçam as montanhas e o rio
a planície estende-se a perder de vista

nesta lonjura, por glória e fama,
homens de tempos passados
até à morte se bateram
mas um belo dia, anos mais tarde,
todos regressaram às colinas do Norte
e desde então pinheiros e ciprestes
foram derrubados
e quanto aos imponentes túmulos,
alguns desmoronaram-se,
outros foram levantados

as colunas desabaram,
não há mais descendentes
as almas errantes, onde estarão agora
se honra e riqueza são invejáveis,
no fim de contas tudo acaba
numa solidão desoladora.

PAREI DE BEBER

Aqui parei, neste lugar
deixei de viver na cidade
e assim parou a minha vagabundagem
parei antes em qualquer lugar
em que havia uma sombra.

Para me sentar eu paro
debaixo da copa de uma árvore
e quando passeio paro às vezes
debaixo da ramada do portão
meu prazer favorito pára
diante das malvas do quintal
e parou também a minha alegria
com os meus filhos mais novos
em toda minha vida bebi sem parar
sabendo que se parasse, ficaria privado de alegria
tentei parar ao crepúsculo, mas não consegui dormir em
.           paz
tentei parar ao amanhecer, e não fui capaz de me levantar
todos os dias contudo pretendi parar de beber

2. A sombra responde ao corpo

A vida eterna!? Sobre isso não posso falar
afinal estar vivo simplesmente já nos torna tristes e tontos
quanto mais
preservar a saúde, hélas! Faltam-me meios
gostaria tanto de viajar pelos montes Kun e Hua,
mas o caminho é obscuro,
e é impossível ir lá comigo,
desde o dia em que nos encontramos,
partilhamos alegrias e tristezas sem descanso
se nós até parecemos separados
durante um breve instante,
quando repousas sob a copa de uma árvore,
sob o sol nunca nos separamos
mas esta companhia não irá durar para sempre
lívidos ambos desaparecemos um atrás do outro,
e logo que te fores, o teu renome se apagará também
ah! pensar nisso põe em rebuliço os meus cinco sentidos
vejamos o que se pode fazer
restam as boas ações que sempre perduram
e ficam depois de nós algumas gerações
o vinho, ainda que afogue as mágoas,
comparado com o que disse
não te parece insignificante?

*Poemas do livro “Poesia e Prosa”, Assírio & Alvim, 2019.
Versão de Manuel Afonso Costa.