José Ángel Cilleruelo nasceu em Barcelona, Espanha, em 1960. Poeta, narrador, tradutor e crítico literário, possui uma obra extensa entre romances, poemas, aforismos, estudos e antologias. Traduziu para o espanhol autores portugueses e brasileiros como Eugénio de Andrade, Jorge de Sena, Joaquim Machado de Assis, Vinícius de Moraes o e poeta moçambicano Mia Couto. Venceu prêmios importantes, entre eles: Prêmio Ciudad de Córdoba (1999); Prêmio Hermanos Argensola (2004); Prêmio Málaga de Novela (2008); International Poetry Award of Novi Sad (2018) e, mais recentemente, o Prêmio Lorenzo Gomis de Poesía (2020).
CIDADE SOZINHO, II
O azul paralelo da blusa
aponta já o peito onde se afunda.
Primeiro entram as mãos e ajustam
dentro do blusão a sua firmeza
na cintura. Depois seguem-se os braços,
ocultos ficam da visão alheia.
O corpo desaparece, as pernas
tapadas pelas suas pernas fortes.
As cabeças são manchas indistintas,
ondulam no movimento dos beijos.
A vida toda hão-de recordar
o bar onde esta noite se desejam:
deles a memória, meu o silêncio
efêmero de quem fica de fora.
(Túneis) 4
Se foi noutro momento, noutra época,
se as vigas caírem após neves
ou pelo sol que as madeiras rende
sob as telhas; um túnel tão propício:
penumbra, pássaro, palhaço, pele.
Se não o recordasse cada dia,
se meus não fossem as paredes
em pé, tenazes; nada as deita abaixo.
Que presente seria este presente
se no armário se guardasse o pão
e envolta num lenço essa pulseira
que me ofereceu a troco de palavras:
penumbra, palpitação, pombo, pele.
Tão propício: paredes obstinadas.
DE MANHÃ
Quando as luzes
não vibrarem na pele
quem
colará às tuas ancas
as suas mãos quem
percorrerá
com vastas palavras
o que pertence
agora aos beijos
quando acordar
deste paraíso noturno
e te abandonar quem
quem será
a tua companhia
*Poemas retirados do livro “Antologia”.