Marcos Antônio Siscar nasceu em Borborema, São Paulo, no ano de 1964. Poeta, professor, tradutor e ensaísta, é livre-docente em Teoria da Literatura pela Unesp São José do Rio Preto (2005), onde foi docente de 1996 a 2009. Atualmente, é professor do Departamento de Teoria Literária da Unicamp e pesquisador PQ/CNPq. Foi editor da Revista de Letras (Unesp), da revista Inimigo Rumor e da revista Remate de Males (Unicamp). Fez parte do conselho editorial da coleção Às de Colete (Cosac Naify / 7Letras) e da coleção Ciranda da Poesia (Eduerj). Vários de seus livros foram finalistas em prêmios nacionais de poesia e de crítica literária. “O roubo do silêncio” e “Manual de flutuação para amadores” estiveram entre os 10 finalistas do prêmio Oceanos (antes, Portugal Telecom). “De volta ao fim” ganhou o prêmio Jabuti na categoria Teoria/Crítica Literária (2017). Como poeta, foi escritor residente em La Rochelle, França, em 2005. Como pesquisador, recebeu o Prêmio de Reconhecimento Acadêmico “Zeferino Vaz”, da Unicamp, em 2016.


O círculo e a cor

que o mundo fosse menos pesado ainda haveria ombros.
que os homens fossem justos haveria ainda algo como
um sonho. seu velho nome. um acréscimo de homem.
que a terra fosse mais colorida do que redonda
ainda assim nos perseguiria o redondo o redondo
que circunda as cores o redondo sem o qual não há azul
não há cor aurora alguma ou arco-íris, nem cinza metálico
nem azul diáfano, apenas quando cinza se concentra
já se permite azul, no circuito dos cinzas o forçoso azul
do círculo vazio. vazio que me devolve e esta terra que nos falta

Profissões de poeta

não tenho nada a perder, mas perco
e quando sou privado nós estamos juntos.
é pequeno o mundo que nos falta
mas a minúcia é que nos salva um mundo.
meu pronome é pessoal não faço confidência
não insinuo o homem por trás da ficção
não finjo o homem, não quero dizer eu
prefiro me perguntar quem é você. a poesia
meu amigo não viver de eufemismos
não se esconde por trás da ficção. a poesia
destrói o humano na frente das câmeras
deixa que desmorone. até que reste apenas
o homem sem verossimilhança
com suas discordâncias. o poeta ainda não existe
só o cadáver do mau poeta o confidente
o narcisismo sem náusea.
não faço profissão de fé. da fé não vivo.
a poesia não é pegar nem é largar. a poesia
é o que pega e não larga
meu amigo, aqui discordamos

Tome seu café e saia

a quem interessa o fracasso
do outro por que nos interessa
o fracasso ou a dor de viver
é mais forte que o abraço
(por que na despedida o beijo
só então inadiável por que
as mãos nos cabelos apenas
antes da morte os corpos se encontram)
eu lhe ofereço este cansaço
talvez você se interesse
talvez você morra de astúcia
tome seu café e saia

Reversibilidade de beijos

vou viajar preciso de um beijo
você me diz de um jeito largo
refém da experiência sim já não
é pouco isso de querer dar sem
abrir a boca isso de querer cair
de boca seca no café pingado
sua carne branca seu estômago
fraco recitando sem pensar
uma ocasional filosofia isso de ter
sem querer de me deixar sem
pedir à beira de um zigoto mofo
à beira de um bonde de partir nós
somos irmãos ambos mudos me dê
vou viajar preciso de um beijo

A cidade dança

a aceleração da cor confunde a tarde
o carrossel elétrico dos carros passa atrás
do dorso de crianças crianças se escondem
para que o comércio feche suas portas
a boa esposa cultiva o entendimento
prédios discretos como privilégios saltam
do lugar onde não havia lei o cerrado fecha
a paisagem depois do último alambrado
súbita a noite estende um rosário descontínuo
de pérolas e parece que a cidade dança

*Poemas do livro “Ciranda da Poesia – Marcos Siscar”, EdUERJ, 2011