Juan José Saer nasceu a 28 de junho de 1937 em Serodino, Santa Fé, Argentina. Considerado um dos nomes mais importantes da literatura em seu país, sua obra se desenvolveu predominantemente em contos e romances. Na poesia, escreveu uma variedade de textos esparsos e publicou um único livro, “A Arte de Narrar”, de 1997. Em 2013, oito anos após sua morte, foi publicado uma antologia chamada “Poemas: borradores inéditos 3”.

Juan José Saer Morreu a 11 de junho de 2005, em Paris, França.

Aos pecados capitais

Por nossa fantasia, nos liberam
da matéria pura, porém caímos na rede
da esperança. Pecados, vícios, e até
as fracas virtudes, nos separam
do corpo único do caos.
nos arrancam
da madeira e dos mares.
Guardiões no liminar do nada.

Para cantar

A tarde está limpa como uma folha vazia.
Às vezes, como uma mão que escreve, borrada ao vento.
Isso a corrói, como uma esperança que esfria
por explosões de remorsos.
Tarde carcomida de outubro, desaforada luz do dia.
Não tenho paz e estou contente.

Eu não sabia

Um grande espaço
vazio, e ao fundo, em semicírculo,
brancos, sem futuro, edifícios.
Frio de maio, depois
de semanas que arderam
como meteoros. Estou
parado, falando comigo
na janela, enorme,
de uma casa vazia e gelada.
Eu não sabia,
que depois que você saiu
chegava
o inverno.

Bairro Logronho

Nota: na soneca que queima
a noite voluntária acena,
de longe, onipresente,
no registro amarelo. Nota:
vinhas verdes na terra vermelha. Observe que
a lebre, a presa e o escândalo,
deseja o farol que a imobiliza.
Nota: abismos ensolarados
em dias cujo nome é legião.

*Traduções de Igor Calazans

A casa do emigrante é uma casa…

A casa do emigrante é uma
casa vazia, e a língua que o obrigam a falar
entra-lhe na boca como cinzas; Ninguém
o reconhece ao atravessar a rua e, na
esquina, os cheiros que vêm do bar
são de um tipo diferente: opacos e sem vida.
Para ele não há além nas vozes que ouve
—ritmo estranho ou permanência—
há barulho, barulho na rua, no bar,
e a centelha de casa que ele carrega consigo
vai se tornando mais tênue,
dia após dia. A
casa do emigrante não tem
cortinas; A placa de “aluga-se”
atrás da porta
do escritório do porteiro
foi projetada para ele. A casa
do emigrado é como um
cemitério antecipado. A casa do emigrante
é uma casa vazia, no exterior
situada numa noite sem fim.

*Tradução de Martín Riva

A Arte de narrar

Agora escuto uma voz que não é mais que memória. Na
folha
branca, o olho roça a rede negra que brilha, por momentos,
como cabelos imóveis contra a luz que resplandece,
tensa,
ao anoitecer. Escuto o eco de uma palavra que ressoou
antes que a palpitação do ouvido batesse, e estremece
a caixa vermelha do coração simples como uma navalha. Não existe
outra coisa que dias atravessados de violência sutil, prisão
aberta aos momentos mais límpidos que o fogo? É o
rumor
da memória de todos que cresce – o ressoar de passos
sobre caminhos duros como planetas que se entrecruzam em
regiões reais –
com o mesmo rumor inaudível dos corpos que se abrem
e da chuva verde que se abre impossível sobre uma árvore
gloriosa. Nado
num rio incerto que dizem que me leva da memória à
voz.

Dylan Thomas in America

Nos aviões e nos trens, alguém
se sente sólido e eterno. Mas uma morte
dócil me esperava no silêncio frio
do hospital. Trabalhei sem medo
e por cada minuto que vivi
coloquei uma pedra sobre meu corpo cego e carcomido
até que a turva realidade e meu espesso
silêncio se fizeram uma só cicatriz
lisa como uma lâmina.
After the first death, there is no other.
Mas a tênue esmeralda
das samambaias, como uma névoa rochosa,
morreu dez vezes desde então, em cada tenso
inverno, nos jardins de Gales,
e por dez vezes, fênix frágil,
renasceu.

Ruídos de água

Ninguém está, embora pareça estar, no mundo.
Como quando na água lisa e resplandecente
cai uma pedra que rasga o ar com seu eco,
como o todo, permanência imóvel,
se abre e se fecha a cada nó, fugaz, de acontecer.
Ruídos de água. E silêncio, depois,
num lugar antigo e sem fronteiras.

* Traduções de Pedro Fernandes de Oliveira Neto