Mauro Luís Iasi nasceu em São Paulo, a 10 de fevereiro de 1960. Poeta, pesquisador, historiador, sociólogo, professor universitário e político filiado ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), chegou a se candidatar à presidência do Brasil na eleição de 2014. Como poeta, tem poemas publicados, incluindo uma coletânea deles intitulada “Meta amor fases”.

A MEDIDA DO VERSO

Quem quiser medir meu verso
não pense em sílabas
pense em lágrimas

Quem quiser sentir meu verso
não pense em rimas:
pense em sinas… pensa em sagas.

SOBRE QUEM É POETA

Quem faz canções é o mar
eu apenas acalanto
seu canto,
eu apenas
canto.

Eu guardo suas conchas
eu carrego os seus grãos
como guardo meus segredos
como fecho meus porões
como ando pela areia
recolhendo as estrelas
que ele espalha pelo chão.

Quem faz canções é o mar
eu apenas dou abrigo
a seus náufragos, perdidos
na ilha branca do papel.

TRANSCENDÊNCIAS

Na massa universal
da matéria de nossos corpos
seja luz etérea de estrelas,
carne mineral de planetas,
ou fogo, ou água,
ou planta, ou bicho

não vejo alma além daquela
que no movimento
se apresenta a vida.

Aprendi que a religião
é o sol em torno do qual
gira o ser humano
antes de ver em si mesmo
o sol de sua existência.

Ordem do tempo
inimigo do novo
dona da culpa
ópio do povo

organização racional da tristeza
carrasco do meu desejo
árbitro dos castigo aplicados por nós
contra nós mesmos

Assim, feuerbachianamente,
me tornei ateu.
Mas, quando os vejo…
com seu amor aos pobres,
com seu compromisso com a vida
na teia indissolúvel da solidariedade…

Quando os vejo
subindo as “sierras” de nossa América
com seus terços e fuzis
com sua fé e bravura…
Quando os vejo
na madrugada fabris
nas estradas acampados
repartindo o pouco pão…

Quando os vejo
reinventando a comunhão
renascendo a cada dia
fazendo da morte ressurreição…

Quando nos abraçamos
sobre nossa bandeira vermelha
chorando lágrimas de raiva,
alegria ou emoção…

Da inexistência de minha alma
chego a desejar
que esta vida se supere em outra
para abraçar mais uma vez
os nossos mortos.

E no calor vivo de nossas batalhas
onde construímos a cada dia
a aurora contra a noite que persiste
consigo ver, nitidamente,
entre a sombra e o escuro,
o rosto sereno de um deus
que não existe.

CRISTÃO MOLOTOV

Certa vez, vi na foto
o guerrilheiro sandinista
pronto para lançar
seu coquetel molotov.

Em seu peito balançava um crucifixo,
em sua mão a garrafa de pepsi-cola flamejava.

Percebi, então,
como as formas mais reacionárias
podem guardar os conteúdos
mais explosivos.

QUANDO OS TRABALHADORES PERDEREM A PACIÊNCIA

As pessoas comerão três vezes ao dia
E passearão de mãos dadas ao entardecer
A vida será livre e não a concorrência
Quando os trabalhadores perderem a paciência

Certas pessoas perderão seus cargos e empregos
O trabalho deixará de ser um meio de vida
As pessoas poderão fazer coisas de maior pertinência
Quando os trabalhadores perderem a paciência

O mundo não terá fronteiras
Nem estados, nem militares para proteger estados
Nem estados para proteger militares prepotências
Quando os trabalhadores perderem a paciência

A pele será carícia e o corpo delícia
E os namorados farão amor não mercantil
Enquanto é a fome que vai virar indecência
Quando os trabalhadores perderem a paciência

Quando os trabalhadores perderem a paciência
Não terá governo nem direito nem justiça
Nem juízes, nem doutores em sapiência
Nem padres, nem excelências

Uma fruta será fruta, sem valor e sem troca
Sem que o humano se oculte na aparência
A necessidade e o desejo serão o termo de equivalência
Quando os trabalhadores perderem a paciência

Quando os trabalhadores perderem a paciência
Depois de dez anos sem uso, por puro obsolescência
A filosofia-faxineira passando pelo palácio dirá:
“declaro vaga a presidência”!

*Poemas do livro “Meta Amor Fases” , editora Expressão Popular, 2011.