Paul Muldoon nasceu em Portdown, Irlanda do Norte, a 20 de junho de 1951. Um dos mais prestigiados poetas irlandeses da sua geração, é o presidente da “Poetry Society” (do Reino Unido), além de editor de poesia do jornal The New York Times, dos Estados Unidos. Professor de poesia na Universidade de Oxford, entre 1994 e 2004, também lecionou na Universidade de Princenton, onde fixou sua residência. Dentre os diversos prêmios literários na carreira, destacam-se os Prêmios T.S. Eliot, de 1994, e o Pulitzer de Poesia, em 2003. É casado com a também poeta Jean Hanff Korelitz.
A carteira de identidade
Elas combinaram com você, aquelas luvas de pelica
tão pequenas
que se dobravam nas metades
de uma casca de nós.
Um Rolls Royce Silver Shadow
estacionando na entrada,
Um Fantasma Prateado
no prado,
os assentos esto-
fados com a pele de bezerros que nasceram mortos.
O complexo motivo familiar,
recoberto de sal,
na geansaí de um pescador de Aran afogado um mês atrás
combina com você. Sua exaltação
ao ter encontrado
entre as bolsas de cadáveres cheias de turfa
no laranjal um pote com areia
e um cacto de prematura flor anil
tal qual o dedão polegar com sua carteira de identidade.
Desvanecido
Já que uma de nossas funções é esquecer
o cheiro de uma fábrica de conservas de maçã,
as candelinhas em pó de taco,
o galho
arqueado que se surpreende convertido em catapulta,
as sardas subcutâneas
da bola branca de bilhar,
o relato de O. Henry,
o quê deveríamos pensar daquele casal
em que não nos tornamos,
que, um dia na hora de almoçar,
apareceu em uma salão de leilões
para, sem eles saberem, lançar um contra o outro
pelo jogo de dez taças venezianas?
Paul Klee: Estão mordendo
O lago abriga uma espécie de batisfera,
uma felucca árabe
e um barco de pesca
com sua lânguida rede.
Dois pescadores de desenho
trabalham como loucos
em pegar os desenhos
dos peixes, todo papado e espinhentos,
e que está cheio a transbordar o lago.
Tudo isso deveria encaixar em qualquer momento.
Quando me enviou a carta de Estão mordendo
um avião escrevia TE QUERO
no céu de Hyde Park.
Então reparei no sinal de admiração
no quadro, em pleno coração.
É como se já me teria proporcionado a palavra
um congro barrigudo
que formava com a boca um NÃO escancarado
demasiadamente triste, de uma pescaria
em que ele teria olhado para o meu cabelo de soslaio.
Outra coisa
Quando tiraram sua lagosta do tanque
para pesá-la
pensei no colar,
em rubis, em fugitivas tintas anil,
em como Nerval
costumava caminhar
uma lagosta atada de um finíssimo fio,
em como, quando transcorreu
um intervalo considerável
(sua testa ainda vermelha do beijo da rainha)
e suas pretensões com Adrienne
resultaram infundadas,
se enforcou com um poste
com uma tora de corrente, o que me fez pensar
em outra coisa, e logo em alguma outra.
A redinha
Embora ele tenha inspecionado a redinha
todos os dias durante um mês
só pegou dois pequenos passarinhos;
um gole de absinto,
um tremido creme de menta,
seus breves soluços
foram as últimas palavras de sua mãe:
– Não o faça. Não o faça.
*Poemas do livro “Topamos com os britânicos”, La Poesía, sañor hidalgo, 2002.
Tradução de Igor Calazans para o RecantodoPoeta.com