Sosígenes Marinho Costa, nasceu em Belmonte, Bahia, a 11 de novembro de 1901. Poeta, jornalista e professor, foi um nome de destaque do Modernismo baiano, participando da Academia dos Rebeldes, grupo literário liderado pelo jornalista e escritor Pinheiro Viégas e que tinha vários membros importantes, como, por exemplo, Jorge Amado. Seu primeiro livro foi Obra Poética publicado em 1959, pelo qual recebeu o Prêmio Jabuti de Poesia, e o Prêmio Paula Brito, ambos em 1960.

Sosígenes Costa faleceu no dia 5 de novembro de 1968, no Rio de Janeiro.


JARDIM DE ENCANTOS
É O LILÁS DA NOITE

Jardim de rosas para mim é a noite
e o céu é um campo de abrasadas sarças,
quando o dragão vibra na luz o açoite
e foge o sol para o país das garças.

Lilás nas rosas, se aproxima a noite.
Que importa a trava se há o lilás nas sarças?
Antes que o grito nos jardins se amoite,
há mil roseiras pelos céus esparsas.

Dragão de plumas se aproxima: É a treva,
E eis que se queima nas ardentes sarças.
E foi-se a treva. Ainda há o dragão co’o açoite.

E antes que o grito a este rosal se afoite
(mar de delicias é o jardim sem treva)
todo me envolvo no lilás da noite.

NO JEQUITINHONHA

Desvaneceu-se a névoa. Ao sol a veia
do rio é prata. O pássaro procura,
tonto de luz, a sombra. Até clareia
o interior da brenha sempre escura.

Fulgor. Ar morno. Abelhas na espessura
a flor azul, do pólen de ouro cheia,
buscam rodando. A abóboda e tão pura!
O vento gira músico e meneia

as frondes. Cresce a luz. Aumenta a gala.
As bromélias desprendem cheiro brando,
brilhantes como fogos de Bengala.

E pelas ramas pêndulas, repletos
de fruta, orvalho e mel, vão orquestrando
clarins as aves, crótalo os insetos.

NO CAMINHO DO ARCANJO

A incompreensão dos corações risonhos e
o eterno anseio de uma vida bela
levam-te, arcanjo, ao reino da procela
e a essa amargura no jardim dos sonhos.

Irrealizado tudo o que é aquarela
em tua vida de vergéis tristonhos.
Aspirações frustradas na procela.
Mito, quimera, sofrimento e sonhos.

Numa estranha visão se te apresenta
no céu da aurora e entardecer marinho
essa tortura, a dor dessa tormenta:

monstros e feras cor de bronze e vinho.
E entre as quimeras que a procela ostenta
o ser estranho está no teu caminho.

OS PÁSSAROS DE BRONZE

Bronze no ocaso e vinhos no horizonte.
E o mar de bronze e sobre o bronze os vinhos.
No rei das aves o poder de arconte
e o sangue azul nos rubros passarinhos.

No meu telhado eu vejo em vossa fronte,
meu cardeal, o rubro entre os arminhos.
Pintou Bronzino esse três reis da fonte:
bronze nas asas, no diadema os vinhos.

O bronze imperial lá está na ponte.
E o bronze voa e esses três reis sozinhos.
Bronzes ao longe e outros no mar defronte.

E o bronze abrasa os pássaros marinhos.
E o reis do ocaso, as aves de Belmonte,
cantando ostentam seus brasões e arminhos.

O RIO E O POETA

Despi o manto de bardo,
vesti a pele do rio.
Vou correndo e vou falando
encantado neste rio.
Vou passando nos lugares
atrasados deste rio.
Vou falando na pobreza
dos lugares deste rio.
Não me calo na viagem.
Falo pelos cotovelos.
Mas ponho calor na fala
para exprimir simpatia
pela causa dos pequenos
que são tantos neste rio.
Não é fala de poeta.
É prosa. Não é poesia.
Mas o povo não se importa
com a falta de melodia,
pois quem está assim falando
é a minha simpatia.
Vou falando, vou falando.
Não calo porque não posso
calar esta simpatia
e ao chegar ao mar, ainda
fala minha simpatia.
Acabando-me no mar,
desencanto-me em poeta.
E cessado todo o encanto,
calou-se a minha simpatia.
Falo agora como poeta.
Minha fala agora é canto
que se apaga e que se esfria,
para conservar calada
toda a minha simpatia
pela causa dos pequenos
que são tantos neste rio.
Procuro imitar o canto
da viola e da cotovia.
Imito o canto do povo,
mas calada a simpatia,
minha fala de poeta
perdeu toda a poesia.

*Poemas do livro “Coleção Melhores Poemas – Sosígenes Costa”, Global Editora, 2012.