Aimé Fernand David Césaire, nasceu em Basse-Pointe, norte da ilha da Martinica, no dia 26 de junho de 1913. Poeta, dramaturgo, ensaísta e político, foi um dos mais importantes nomes do movimento surrealista. Junto ao Presidente do Senegal, Léopold Sédar Senghor, idealizou o conceito de “Negritude”, fazendo de suas obras literárias uma extensão para causas de defesa das raízes africanas contra o colonialismo.
Aluno brilhante do departamento ultramarino insular francês no Caribe, no início da década de 30, Césaire conquistou uma bolsa de estudos para estudar Liceu Louis Le Grand, em Paris. Na França, junto a outros estudantes, entre ele Léopold Sédar Senghor, funda o jornal L’Étudiant noir ” (O Estudante negro). Foi neste impresso que apareceu pela primeira vez o conceito de “Negritude”, apresentando uma crítica à opressão cultural do sistema colonial francês. Regressa à Martinica em 1939, onde leciona na área de Letras. Neste período funda a revista “Tropiques”, com um projeto de reapropriação do patrimônio cultural martiniquês. Fica muito amigo de André Breton, poeta e um dos líderes do movimento surrealista, que passava pela ilha durante a II Grande Guerra. Fascinado com a poética de Césaire, Breton faz questão de prefaciar o seu livro “As Armas Miraculosas”, de 1941.
Unido ao Surrealismo, Césaire, passou a ser ligado às lideranças políticas da época, principalmente ao comunismo. A partir daí, iniciou carreira política como presidente da câmara (prefeito) de Fort-de-France e deputado, entre 1945 e 2001, além de fundador de um partido chamado “progressista”, com o intuito de instaurar a autonomia e um socialismo independente na Martinica, contrário ao colonialismo de Stálin. Em 1950, funda, em Paris, a revista “Presença Africana”, onde publica Discurso sobre o colonialismo, tecendo uma dura crítica ao racismo europeu, comparando-os ao nazismo, e conclamando os intelectuais europeus a se manifestarem sobre o assunto.
Em relação à sua obra, por mais que surrealista, Césaire apresenta uma poética precisa e concisa, sendo racional na construção do texto. Suas principais influências foram Artur Rimbaud e Lautréamont, além de Stéphane Mallarmé e a poesia negra dos EUA.
Aimé Césaire faleceu no dia 17 de abril de 2008, em Fort-de-France, na Martinica.
5.
. teste…
os garimpeiros de sílex
os que testam a obsidiana
os que seguem até à opalescência
a invasão da opacidade
os criadores de espaço
vamos raptores do Verbo
ladrões da Palavra
todos já foram há muito
despedidos
da maneira mais infamante
7.
. para dizer…
para revitalizar o rugir dos fosfenos
o coração oco dos cometas
para reavivar o avesso solar dos sonhos
seu esperam leitoso
para ativar o fresco fluxo das seivas a memória
dos silicatos
cólera dos povos saída dos Deuses o seu ressalto
pacientar a palavra seu ouro sua orla
até o cuspir fogo
sua boca
46.
. pilhagem
é preciso saber atravessar toda a extensão do sangue
sem ser devorado pelos dentes do dragão
de um sonho de traição
é preciso saber atravessar toda a espessura do sangue
com três vogais de água fresca
ansiosamente renovada pela auriflama
sempre a reconsiderar um grilhão a quebrar
é preciso saber atravessar o desfile noturno
com por contrabando o reflexo do último fruto
arrancado ao último baobá
é preciso saber passar sem fraquejar ao longo desta falésia
de onde o pé do salteador Sirrão alimenta com uma rede
de carnes insípidas um tumulto de tartarugas
menos difícil em verdade menos difícil
do que suportar a pilhagem do grande coração das estações
sol distribuído imprudentemente aos pirilampos
queimando em sangue puro uma espera incrédula
49.
. fila
cruzo-me com o meu esqueleto
que uma fila de formigas africanas carrega para a sua casa
(tronco de baobá ou contraforte de gameleira)
é claro que cuidei da minha palavra
e ela se aconchegou no coração de um ninho de cipós
núcleo ardente de um ouriço vegetal
é que eu a instruí desde há muito
a brincar com o fogo entre os fogos
e a carregar a última gota d’água salva
a qualquer uma das longínquas ramificações do sol
sal sono
quando ouvirei as primeiras caravanas da seiva
a passarem
com esforço em direção às primaveras
ter disposição ainda
na direção de um atraso de ilhas extintas e adormecidos vulcões
35.
. lareira…
memória honrando a paisagem
dedução
a lareira alimenta a ponto de enganar-nos a equidade de uma cratera
recordar uma pele muito suave não se proíbe
nas palmas de um outono
nova bondade
está fora de questão entregar o mundo aos assassinos da aurora
. a vida-morte
. a morte-vida
os que desprezam o crepúsculo
as estradas pendem nos seus pescoços de esfoladores
como calçados novos demais
não pode tratar-se de derrota
só os painéis foram de noite escamoteados
quanto ao resto
corcéis que só deixaram sobre o solo
suas pegadas furiosas
focinhos retesados de sangue tragado
o desembainhar das facas da justiça
e dos cornos inspirados
dos pássaros vampiros cada bico iluminado
brincando com as aparências
mas também seios que amamentam rios
e as doces cabaças no côvado das mãos de oferenda
uma nova bondade cresce sem cessar no horizonte
*Poemas do livro “eu, laminária… últimos poemas”, Editora Papéis Selvagens, 2020.
Tradução de Lilian Pestre Almeida