Moacyr Félix de Oliveira nasceu a 11 de março de 1926, no Rio de Janeiro. Poeta, jornalista, advogado e editor, foi um dos mais participativos poetas de sua geração, sendo responsável pela divulgação de grande nomes da literatura brasileira, através de seções e colunas que assinava para jornais e revistas da época. Como intelectual e ativista, foi um dos fundadores do Comando de Trabalhadores Intelectuais (CTI), que reuniu pensadores de todas as áreas das artes, da literatura, da ciência e das profissões liberais.

Moacyr Félix começou sua trajetória como editor em 1954, quando integrou as equipes de redação das revistas literária “Marco” e “Caderno do Nosso Tempo”, do Ibesp. Entre 1956 e 1958, foi o responsável pela seção de poesia do jornal “Para Todos”, publicado pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB) e que era dirigido por Jorge Amado e Oscar Niemeyer, tendo como redator-chefe Moacyr Werneck de Castro. De 1963 a 1971, foi diretor da “Coleção Poesia Hoje”, da editora Civilização Brasileira.

Como poeta, Moacyr escreveu mais de 10 livros, sempre apresentando versos combativos, discursivos, longos e persuasivos. Usava da fenomenologia para aprofundar os temas, principalmente baseados em estudos sobre os filósofos Maurice Merleau-Ponty e Gastón Bachelard,

Moacyr Félix faleceu no dia 25 de outubro de 2005, no Rio de Janeiro.


RADIOGRAFIA

Homens
nas catacumbas; nascendo
nas catacumbas; vivendo
nas catacumbas; amando
nas catacumbas; morrendo
nas catacumbas.

Silhuetas de róseo esmalte
e imbecis governamentais
bebericando
café,
café com açúcar;
café com sangue,
sangue

bebericando

como se fossem donos
da vida,
como se fossem donos
do tempo,
como se fossem donos

do sangue.

EXISTENCIALISMO

Quando indefinível a terra cresce
a ponto de apagar o quarto
e as certezas dentro do quarto,
o homem abre a janela e vê
uma noite sem estrelas
a devorar o absurdo a que chegou
como se chega ao vômito.
Quando a treva cresce assim
a ponto de apagar no quarto
o mundo a emoldurar as horas
tudo estala e estremece
num princípio de queda.
Mas tudo permanece e move
além das conceituações do homem.
E o homem grita de medo
ante sua desnudada angústia
a dançar irracionalidades sobre
o chão agora indefinível
do que até então pensara ser
o seu próprio EU.

EXÍLIO

O mundo não era o rosto de minha amada,
nem o olhar de minha mãe.
E aquele fim de noite, preso na árvore do amanhã,
tão pouco trazia o meu primeiro dia.

Fiquei eu, e a presença
de uma pergunta — uma só! — velada
como as memórias de um mar
no vazio das conchas.

E essa pergunta — meu Deus! — eu já esqueci.

TARDE DE DOMINGO

Tarde de domingo.
A vida escorrendo sob minha janela;
Rio de águas barrentas, preguiçoso.
Sei, que ele move porque, na parede,
Minha mãe tem um sorriso de moça.
A Morte vestiu o Movimento
E passeia fingindo ser a Vida
Nas ruas do mundo que eu vejo todo dia.
Mas, para mim, ela está desnuda.
É por isso que estou triste, e por isso quando
Pedaços das mortes de outras vidas caem
— Cinzas fugidas da Fogueira —
Na minha vida,
Tenho vontade de me derramar sobre o mundo
Como um copo que se derrama sobre a toalha…

AUTO-RETRATO

Certa vez, numa aventura estranha,
fugi
dos estreitos horários em que me estorcia
para uma ampliação sem fim.
Quando voltei
e senti, de novo, ferindo-me, o peso dos grilhões,
então não mais sabia quem eu era.
E nunca mais soube quem eu sou.
Talvez a sombra triste de um sonho poeta.
Talvez a misteriosa alma de uma estrela
a guardar ainda no profundo cerne
a ilógica saudade de um passado astral.

ESTAMPA

Muralhas sonolentas
limitam a paisagem
e pássaros aflitos.
A que tempos idos
os homens embalara
marmórea silencia.
De cada olhar gotejam
neblina e mortes várias
e as árvores tão verdes
têm pés de sombra e dor.

Entre o céu e as muralhas,
cinzas.
Entre as cinzas e as faces
do tempo os horizontes
que ainda são futuros
a trazer almas ao poema.

*Poemas do livro “Singular Plural”, Editora Record, 1998.