Maria Aparecida Pedrosa Bezerra, mais conhecida como Cida Pedrosa, nasceu em Bodocó, Sertão do Araripe pernambucano, em 1963. Além de poeta, também é advogada e política, ocupando atualmente o cargo de vereadora do Recife, pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Tem mais de 10 livros publicados, destacando-se a obra “Solo para Vialejo”, obra que deu para a poeta o Prêmio Jabuti 2020, nas categorias “Livro do Ano” e “Poesia”.

fotografia de guerra

o menino de camisa vermelha e sapatinhos
marrons estirado na areia do mar gélido da
Turquia migrou para a palavra e se afogou
no meu poema
a menina de moletom rosa-choque
desenhado com delicadas e surradas
borboletas tapando os olhos da boneca
esfarrapada impedindo a visão do tapete de
mortos no chão da Síria impregnou de medo
a palavra e se escondeu no meu poema
as crianças sem cabelo de pupilas
esbugalhadas e nuas estendendo as mãos
sem cor para os visitantes da Somália me
deram a mais difícil aula de anatomia e
ofertaram a palavra fome para o meu poema

diáspora

abro os olhos
e a quarta-feira é cinza
as taras da noite me perseguem
neste quarto de hotel
é bom acordar sem deus
descer a rua
e ver o mesmo flanelinha no ofício
diáspora
palavra que me segue
sem pedir perdão
sou retalho carne dilacerada
fragmento escuridão
abro as pernas no sinal
os carros passam
e o vento leva pó para o meu rosto
a noite chega
a quarta-feira é cinza
e faz tanto tempo que me perdi de mim

***

sol a sol

sol sustenido

terra e sal

céu e sol

tirar da flor

a seda branca

*Poema retirado do livro “Solo Para Vialejo”, Cepe Editora, 2020.

***

: a mulher virou homem o trabalho
e a desigualdade por baixo da saia: trouxa
na cabeça camisa cáqui de mangas compridas
chapéu de palha quartinha de cabaça e só

calça comprida por baixo da saia
calça comprida por baixo da saia
calça comprida por baixo da saia

*Poema retirado do livro “Solo Para Vialejo”, Cepe Editora, 2020.

***

o sol anestesia a dor e de dor é feito
como deve ser feito de dor o frio do outro campo

*Poema retirado do livro “Solo Para Vialejo”, Cepe Editora, 2020.

***
o coreto
o fox dance
o salão
o palco
a banda e a moça na janela
a banda ensaiava no sobrado da praça
a praça da independência frevia
a praça rodava
a moça rodopiava e ardia

*Poema retirado do livro “Solo Para Vialejo”, Cepe Editora, 2020.