Osman da Costa Lins nasceu em Vitória de Santo Antão, Pernambuco, no dia 5 de julho de 1924. Mais conhecido por sua produção literária de contos, romances e peças de teatro, também foi poeta, publicado recentemente em dois volumes, intitulados “Imprevistos de Arribação: Publicações de Osman Lins nos Jornais Recifenses” (Papaterra Editora), editado por Cristiano Moreira como resultado de sua pesquisa de doutorado na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Um dos seus trabalhos mais famosos foi a peça teatral “Lisbela e o prisioneiro”, adaptada com sucesso para o cinema em 2003. Autor de uma vasta obra reconhecida pela crítica, recebeu diversos prêmios, entre eles o prêmio Monteiro Lobato e o prêmio Coelho Neto, da Academia Brasileira de Letras. Faleceu em 8 de julho de 1979. O arquivo pessoal do escritor foi doado por sua esposa, a também escritora Julieta de Godoy Ladeira (1927-1997), a duas instituições brasileiras: Fundação Casa de Rui Barbosa (Rio de Janeiro) e Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (São Paulo).
A Devolução do Tempo
O trampolim é um braço estendido
com a iminência de um milagre na extremidade da mão.
Calma,
como a assinalar o princípio da canção que
[o seu próprio corpo contará no ar.
a moça estende os braços.
Há um silencio místico:
Estamos em face do sobrenatural.
A água da piscina estremece,
tem frêmitos de folhagem.
Os calcanhares se erguem
— e este sinal tem qualquer coisa de fronte que se inclina para um beijo.
Numa decisão de suicida,
o corpo iluminado se projeta,
é linha e fuso,
e seta disparada.
Veloz,
estrela libertada que finge itinerário de pássaro,
a flama vertical desaparece.
(Quem me trará de volta a saltadora?)
Torne o sol tornem os relógios,
torne o meu encantamento.
como estrela dissipada,
que refizesse o caminho
da própria rebelião,
a saltadora ressurge.
Afla, leve, a flor das águas,
e pousa no trampolim:
a sombra de um passarinho
que pousasse em minha mão,
não seria leve assim.
Visões do Movietone
Epígrafe
Viajantes de cristal,
as lentes nos contarão suas visões.
E logo,
tal um vendedor ansioso,
estende a nossos olhos
seu mostruário de imagens
colhido nas retinas transparentes.
Queremos de misérias e alegrias.
Aqui estamos.
Os Caminhantes Ociosos
Na estrada lívida,
multidões caminhavam.
Um violoncelo invisível lembra um cachorro cego,
vagando, à procura de um anjo.
Não o encontrará.
A multidão caminha, estonteada,
e para eles não existem más estradas.
São as solteironas dos caminhos:
não podem mais escolher.
e realizam entre nós aquelas núpcias tristes
Vão e vão
Itinerantes,
nada levam em suas mãos
— até as suas almas deixaram,
na urgência de partir,
em suas terras natais.
Nada levam, nada fazem,
senão vir, silenciosos,
pelos lívidos caminhos.
Nada fazem, os ociosos.
A Experiência Ardente
Pássaro sem cântico.
esquife desabitado,
que apreensões de vivos
não ligam a terra,
o avião sem piloto
segue.
Logo mais o atingirão,
matarão o que está morto.
Cálculos matemáticos sopesam as possibilidades da morte,
com precisão infinitesimal
como se buscassem o peso de uma pétala.
Seguros como um deus,
as equações preparam o tiro
e os diagramas fixam o desenrolar da emboscada.
E o tiro embarca
vai ao encontro do pássaro sem cântico.
Fulgem os céus,
choram as asas partidas,
imobiliza-se a hélice com um tremor de criança baleada.
E flor de chamas,
tomba em silencio o morto assassinado.,
com lentidão de túnica vazia.
A Cesta Enganosa
Num gesto de prestidigitador que solta um pombo,
um jogador endereça a bola ao companheiro , que corre.
Entre sua mão e o solo, a esfera traça o desenho de um sismógrafo,
— tal como Virgínia, vestido de cambraia,
naquelas tardes antigas,
com sua ternura infantil a sua bola azul.
Entre os dez homens aflitos
há uma serie de equívocos.
Todos correm, a bola passa
de mão em mão. Afinal,
afinal, serenamente, como se buscava um ninho,
como corpo fatigado que se aninhasse na rede,
flor num jarro transparente ou anular num anel,
a bola acerta com a cesta.
Mas, oh! A cesta está furada
e permanece vazia
como anel sem anular.
II – Flagrantes Esportivos
— Os voos sobre a neve —
O lenço polido e frio.
É uma cauda de noiva,
o longo lençol de neve.
As asas guardam em si as possibilidade de voo.
Mas as asas do homem não têm plumas,
não participam de alturas:
são instrumentos de abraços
e suas únicas relações com a distância são os gestos de adeus.
Descendo, velos, na branca esteira de neve,
Um homem colhe no corpo um impulso que o lançara no ar.
(assim é possível colher,
numa rápida visão da namorada,
a subsequente alegria)
E o homem desprende-se do solo,
braços abertos,
lança à face das montanhas sua transitória e audaciosa revolta.
Fenece o impulso, o voo se interrompe;
esvai-se a alegria,
o homem desce.