Iosif Aleksandrovich Brodsky, mais conhecido pelo pseudônimo Joseph Brodsky, nasceu em Leningrado, Rússia, no dia 24 de maio de 1940. Poeta russo naturalizado estadunidense, foi expulso da União Soviética em 1972, acusado de parasitismo social, sendo obrigado a se exilar, primeiro em Israel, depois nos Estados Unidos, com a ajuda de W. H. Auden e de outros escritores. Viveu o resto da vida lecionando em universidades, incluindo a de Yale, Cambridge e Michigan. Recebeu o Prêmio Nobel de Literatura de 1987. Joseph Bordsky faleceu no dia 28 de janeiro de 1996, em Nova Iorque, EUA.
EXPLORADOR POLAR
Devorado os cães. Não resta espaço
no diário. Há na foto, pois, da esposa
um colar de palavras; bem na face,
a pinta de uma data duvidosa.
Sobre a foto da irmã nem titubeia:
registra a latitude que atingiu!
Negrejando, a gangrena, feito meia
de uma vedete, chega-lhe ao quadril.
QUASE UMA ELEGIA
Também eu aguardei na colunata
da Bolsa, outrora, o fim da chuva fria.
Julgava-a dom de Deus. E era sensata
a minha suposição. Pois algum dia
eu também fui feliz. Fui prisioneiro
dos anjos. Combatia monstro horrendo.
Feito Jacó, fitava, sorrateiro,
uma beldade – rápido – descendo
a escada principal.
. Aonde tudo
se foi. Sumiu. Olho janela afora:
o “aonde” acima, eu o escrevi, contudo,
sem ponto de interrogação. Agora
é setembro. Um trovão distante invade
meu ouvido. Eis um horto. Peras pensas,
cheias de seivas nas ramagens densas,
parecem signos de virilidade.
E o ouvido admite, como gente avara
parentes na cozinha, um som assíduo
de chuva que, na mente, sem chegar a
música ainda, é mais do que ruído.
(SEM TÍTULO)
Eu era apenas quanto
a tua mão tocasse
ou sobre o que inclinavas,
no breu da noite, a face.
Eu era, embaixo, quanto
notavas turvo, apenas:
traços, no início, vagos;
feições, mais tarde, plenas.
Foste quem logo, ardente,
criou-me a sussurrar,
seja à direita, à esquerda,
a concha auricular.
Foste, a agitar cortinas,
quem, na umidade cava
da boca, introduziu-me
a voz que te chamava.
Eu era cego e, vindo,
sumindo-te de mim,
doaste-me a visão.
Ficou um vestígio, assim.
E, assim criam-se mundos
que são postos de lado,
girando, quando prontos,
presente abandonado.
Em meio, pois, de treva
e luz, calor e frio,
prossegue o nosso globo
seu giro no vazio.
PARA URÂNIA
Tudo tem seu limite, mesmo a mágoa.
O olhar – folha na cerca – é cercado
por vidro. Agites chaves, vertas água:
a solidão é o homem ao quadrado.
Um dromedário franze, ao cheirar trilhos,
o cenho. Descortina-se o vazio.
E o próprio espaço, enfim, ele não consta
da ausência só de um corpo em cada ponto?
Por isso Urânia é mais velha que Clio.
De dia e à luz de cego candeeiros,
vês que ela nada oculta e, olhando fixo
o globo, vê-se a nuca. Os bosques, ei-los,
repletos de mirtilos, rios onde, às
mãos nuas, há esturjões que se oferecem,
cidades cujas listas telefônicas
já não te incluem. Ao sul, melhor, sudeste,
pardejam as montanhas, éguas correm
selvagens entre amieiros; ficavam fulvas
as faces. Singram longe os cruzadores,
e a amplidão – lingerie rendada – azula.
ODISSEU A TELÊMACO
Caro Telêmaco,
. encerrou-se a guerra
de Tróia. Quem venceu, não lembro. Gregos,
sem dúvida: só gregos deixariam
tantos defuntos longe de seu lar.
Mesmo assim, o caminho para casa
mostrou-me demasiado longo, como
se Posseidon, enquanto ali perdíamos
nosso tempo, tivesse ampliado o espaço.
Não sei nem onde estou nem o que tenho
diante de mim, que suja ilhota é esta,
que moitas, casas, porcos a grunhir,
jardins abandonados, que rainha,
capim, raízes, pedras. Meu Telêmaco,
as ilhas todas se parecem quando
já se viaja há outro tempo, o cérebro
confunde-se contando as ondas, o olho
chora entulhado de horizontes e a carne
das águas nos entope enfim o ouvido.
Não lembro como terminou a guerra
e quantos anos tens, tampouco lembro,
Cresce, Telêmaco meu filho, os deuses,
só eles sabem se nos reveremos.
Não és mais o garoto em frente a quem
contive touros bravos. Viveríamos
juntos os dois, não fosse Palamedes,
que estava, talvez, certo, pois, sem mim,
podes, liberto das paixões de Édipo,
ter sonhos, meu Telêmaco, impoluto.
*Poemas do livro “Quase uma Elegia”, Sette Letras, 1996.
Traduções de Nelson Ascher e Boris Schnaiderman