Mírian Gomes de Freitas nasceu em Juiz de Fora, Minas Gerais, a 15 de outubro de 1968. É doutora em literatura comparada e professora do Núcleo de Línguas do IFSUDESTE/JFora. Publicou 8 livros: “Intimidade vasculhada”(2005), “Exílios memórias e outras passagens” (2016), “Quase” (2017), “Caio F. Abreu uma poética da alteridade e da identidade” (2021), “Quando éramos pássaros e outros poemas abissais” (2021), “Mosaico” (2022), “A memória é uma oficina de ossos” (2023) e, mais recentemente, “Damascos feridos” (2024), que apresenta a sua luta pela causa palestina.

14.

Morrer é tão fácil do lado de cá
: bombas e mísseis explodem todas as noites
começamos a falar sozinhos por medo de esquecer
que ainda estamos vivos.

16.

Os poetas de Gaza não nasceram ontem
: escreveram pergaminhos e plantaram rosas
sobre os túmulos do país.
Nasceram
.          morreram
.                     renasceram
.                          em tempos estranhos
em meio a multidões e nuvens negras de pólvoras e fogo.

Após as mortes de todos os dias
.                                sobreviveram
pelos rojões acesos incendiando telhados
pelos mísseis invisíveis perfurando paredes
pelo terror de carnificina ferindo as bochechas
.                             E X P L O D I N D O
.                            o crânio das palavras.

21.

O sangue da Palestina flui no nome que devora a paz.

De um extremo ao outros,
quantas mil mortes?

Qual língua fala a terra de um povo sem liberdade?

Tempos obscuros à espera da chegada de um deus
de amor.

Enquanto homens de ferro lutam contra homens de barro
as crianças de Gaza caminham sob as nuvens de fogos
com os rostos machucados como damascos feridos
(e) acenam aos pássaros da morte
com suas pequenas mãos de adeus.

25.

Mulheres da Faixa de Gaza
carregam nos potes de barro
os damascos secos e as peras lisas
para as refeições noturnas

.                     mas isso é para quando a trombeta tocar
.                     a canção do cessar fogo.

26.

Quando alguém te perguntar de onde você é
erga a cabeça e diga:
– nasci no Oriente Médio
no território sagrado da Palestina –
onde o sol arde como um olho de fogo
sobre a cabeça dos cães
onde meu nome é uma lâmina afiada
pronta
para defender o rosto ungido
.                                     com o sangue
.                                                        de uma mulher da guerra.

43.

O corredor de flores da casa
: lugar onde o crime não chega.

Pássaros de fogo sobrevoam os telhados
com os olhos de binóculos
para acertar qualquer um no caminho.

Porém
o pássaro da luz
.               toca a flauta
embriagando-nos o coração
com a melodia selvagem dos cactos
.               entre a plumagem da relva
.         e o olhar de ouro dos girassóis.

44.

Depois das guerras milenares
na luta pelo sangue da terra
e de todas as mortes enterradas nos cemitérios
do Oriente
nasceu o deserto de campos áridos.
Os corações das borboletas pulsaram
ao esplendor solar
enquanto nas asas do planeta
ressoaram os sinos sagrados
muito antes da batalha soberba
do triunfo.

*Poemas do livro “damascos feridos”, Editora Alpendre, 2024.