Antônio Brasileiro Borges nasceu em Ruy Barbosa, Bahia, no ano de 1944. Poeta, cordelista, professor, ficcionista, ensaísta e artista plástico, foi eleito em 8 de julho de 2009 para a Academia de Letras da Bahia, tomando posse em 10 de julho de 2010.
Ainda criança, aos 10 anos, Antônio Brasileira muda-se com a família para Salvador. Na capital, ele inicia sua trajetória artística, criando as “Edições Cordel” (Revista Serial e Cordel). No final da década 60, o poeta reside por alguns anos no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte. Na década de 70, volta à Bahia para viver em Feira de Santana, onde cria e coordena a Revista Hera, de poesia, fazendo assim dezenas de publicações. Em 1980, sai pela Editora Civilização Brasileira, seu primeiro livro de poesia em edição nacional.
TIQUES
Pode o amor com sua falta
envolver-me em amarguras –
pode uma neurose obscura
cutucar-me, na psique, algo
que (e quem sabe?) não descubro –
pode haver doenças, desastres,
desquites, dívidas, desavenças –
pode ser que tudo mude
ou permaneça a mesma sem-graça
cotidiana existência estapafúrdia –
pode chover canivetes
ou estrôncio, que é mais chique –
pode haver quem não tenha tiques,
faça, impávido, bhakti-yoga:
o fato é que não me encanto
nem me espanto nem corro às léguas.
Fico quieto no meu canto.
E vão à pura merda ids e egos.
FORMAS DO AZUL
1. As formas do azul não me intimidam.
Vou ser mais puro que meu próprio estro.
Vou ler na vida com este olho destro
e traçar planos para o outro milênio.
Vou ser o filho que só teve enganos
– sim, este filho que só teve enganos.
E vou dizer aos netos que fui filho.
Os códigos do azul são mais profundos.
1. Oh, deixem-me dizer: sim, já fui tudo.
Morei nos pontos cardeais do espírito.
Tracei os portulanos dos ancestres
e decidi ser príncipe de aedos.
Que medos tenho? Nenhum. Não tenho medos.
Nem tenho bolsos para arcar com o mundo –
que todo ele, sei, é só segredo.
O mundo é só segredo – e eu, pequeno.
1. Mas sei lidar com as noites do destino,
pois só são dias claros o que vejo.
Não vedes vós também isto que vejo?
E no querer – não vedes tons alacres,
paz que conquistas com teu próprio beijo?
Fonte que nasce ali onde apontares?
Oh, deixem-me dizer: não quero nada.
Só quero as chaves. O resto é enredo.
QUE DEUS GUARDE MEU PAI
Não passar. Ficar para semente.
Não era isto que meu pai queria?
Sentava-se na rede e adormecia
julgando ter domado a dama ausente.
E sonhava talvez. Talvez menino
montando burros bravos, nu, ao vento;
um homem é a sua ação sobre o destino.
Meu pai então fazia um movimento
e a rede, a adormecer, estremecia:
pequenos sustos no tempo, era só isto.
E escancarava os olhos duramente
para mostrar que se Ela o procurava
era de cara a cara que a encarava.
Que Deus guarde meu pai. Eternamente.
BRINDE
Se a mente, que não é nada, mantém-se quieta
e as vozes do remorso não persistem,
eis o momento de desvendar enigmas,
de relembrar caminhos
e de tomar uns chopes com os amigos.
Pois se a mente, que não é nada, está quieta
– os enigmas mais crus, domesticados –
e o passado é um pássaro em nossa mão,
eis que o homem conhece a perfeição.
E como tudo passa tão rapidamente,
é bom brindar essas coisas com amigos.
CREDO
De pé, não como um homem,
mas como um animal qualquer,
eis que vou singrando pela vida
– apenas de pé.
E se tu não te importas, amiga,
que eu estorve um pouco este caminho,
seguirei ao teu lado todo o tempo
– embora sozinho.
Pois é assim mesmo que nós, um dia,
devemos empreender toda jornada:
no âmago, animais; na epiderme,
. nada
TUDO QUE SOMOS
Tudo que somos,
pouco sabemos.
Um poço imenso,
cheio de sonos.
Quando choramos,
não nos perdemos.
Viver é um sonho,
não esqueçamos.
Viver é a sombra,
o assombro, o apenas.
/ Tão frágeis somos!
. Frágeis e imensos.
A EMENDA E O SONETO
o soneto
Em meio a temporais, saibamos ser
a haste pequenina que se verga.
Pois uma coisa é certa: tudo acaba.
E o céu ficará limpo como era.
a emenda
Em meio a temporais, saibamos ser
a haste pequenina que se verga.
Pois uma coisa é certa: tudo acaba.
Não só acaba como não acaba.
ARTE POÉTICA
Meus versos são da pura essência
dos poemas inessenciais.
Nada dizem de verídico
não querem nada explicar.
Não narram o clamor dos peitos
não encaram a dor do mundo.
Se por vezes falam alto
é por puro gozo, júbilo:
humor que brota de dentro
como se movem os astros.
Eles, meus versos, são pura
floração de irresponsáveis
flores nascidas nos mangues,
por nascer – mas multicores,
lindas, não importa que os homens
as conheçam ou não conheçam.
*Poemas do livro “Antologia Poética – 1968/1996), Casa de Palavras – Série Poesia.