Odylo Costa filho nasceu no dia 14 de dezembro de 1914, em São Luís, Maranhão. Poeta, jornalista, cronista e novelista, ocupou a Cadeira 15 da Academia Brasileira de Letras (ABL), eleito em 20 de novembro de 1969, na sucessão de Guilherme de Almeida. Na vida pública, Odylo Costa, filho, foi Secretário de Imprensa do Presidente Café Filho, diretor da Rádio Nacional e Superintendente das Empresas Incorporadas ao Patrimônio da União.

Em 1930, aos 16 anos, em companhia dos pais, Odylo fixou-se no Rio de Janeiro, bacharelando-se em Direito, pela Universidade do Brasil, em dezembro de 1933. Nesta época, com o livro inédito “Graça Aranha e outros ensaios”, obteve o Prêmio Ramos Paz da Academia Brasileira de Letras. Sua obra poética caracteriza-se principalmente pela escrita de sonetos, apresentando temas como o amor, Deus, e percepções da vida e da morte, de forma romântica e simbolista.

Odylo Costa, filho, faleceu no dia 19 de agosto de 1979, no Rio de Janeiro.


Os objetos

No fechado dos objetos
mais simples mora um toque de magia.
De um só tijolo nasce a casa: afetos,
barro, sol, água, mesa, moradia,

e a presença tenaz das mãos humanas,
afeiçoando o mistério da existência
e dando às coisas mais quotidianas
senso de vida – e de sobrevivência.

Chardin, quando há dois séculos viveu,
uma arraia pintou, disforme, aberta
em sangue e dentes, agressiva e forte.

Veio o tempo e com ele emudeceu
muita glória que a moda julgou certa.
Aquela arraia sobrevive à morte.

Mergulho

Mergulho no meu ser desconhecido
que nem a ti foi dado penetrar,
num túnel profundíssimo escondido,
sem rumo ou luz, onde até falta o ar.

Vêm de repetente temporais, no ruído
de vagas doidas sacudindo o mar,
ou calmarias sem nenhum sentido,
sombras mansas na sombra de um pomar.

Inconstante demais no desvario,
as solidões do meu deserto são
espontâneas e alegres como um rio.

Não te levo comigo à promissão
da terra nova. Mas o íntimo frio
se desfaz ao calor da tua mão.

Dedicatória

Tanto quisestes ter um filho poeta!
E que esse filho fosse eu, pedia,
apontando o mais velho, uma secreta
aspiração, quase uma profecia…

Bem cedo me perdi na busca inquieta
dos caminhos mas sempre a poesia
foi para mim patética e incompleta,
desajeitada agora, agora fria.

Veio depois a vida e mergulhou
a minha alma na grande do severa,
barco afogado em rio adormecido.

Do sofrimento o verso rebentou.
Antes, meu Pai e minha Mãe, quisera
que esse verso jamais fora nascido.

O poço

Nunca me canso de cantar o amor.
Não o amor ideal, o amor abstrato,
imaginado apenas, com sabor
de novela, de filme ou de contrato,

sem espinhos reais rasgando a dor,
sem limites físicos do fato.
Falo do amor vivido, um só senhor
de nossa vida, fruto, flor e cacto.

Natural feito a moça na costura,
purificado e branco como um osso
de rés morta esquecido na chapada.

Misto de sangue e riso, de amargura
e bondade, profundo como um poço
de água escondida, mas adivinhada.

O Quixote de barro

O meu Cristo de estopa! E do seu lado,
na mesma estante, atrás da minha mesa,
um Quixote de barro, tão quebrado
que o veste uma tristíssima beleza.

Guarda tão pouco do que foi! O estado
do corpo nem mais lembra a natureza.
Mas assim mesmo, feio e mutilado,
traz a ilusão presente à minha mesa.

Ó minha bem amada, ó mãe dos meus
filhos, não surgirão forças que domem
o grande sonho puro que sonhamos.

Como Francisco foi louco de Deus,
esse pobre Quixote, louco de homem,
abre à noite os caminhos por que andamos.

Estática na estrada

Como o rádio que em curvas da montanha
ora sussurra, ora estrídula o canto,
o meu sonho fiel vos acompanha
e grita ou cala sob o vosso encanto.

Ponho no amor uma atenção tamanha
que saiba e lembre o mínimo recanto
da vossa natureza, mesmo a estranha
hora inquieta de dúvidas e de espanto.

Assim, senhora, sois, no todo vosso,
a matéria central do meu estudo,
e aprendo sempre a amar-vos quanto posso.

E agora, silencio, agora clamo,
nem direi como sois, porque sois tudo:
quanto mais vos conheço mais vos amo.

*Poemas do livro “Boca da noite”, editora Salamandra, 1979.