Ron Padgett nasceu em Tulsa, Oklahoma, Estados Unidos, a 17 de junho de 1942. Poeta, editor e tradutor,
aos 17 anos, ainda na escola secundária, fundou a revista literária “The White Dove Review”, para a qual submeteram poemas alguns dos mais importantes poetas da época, como Allen Ginsberg e Jack Kerouac. Em 1960 mudou-se para Nova Iorque e, em seguida, passou um ano em Paris, para estudar e a traduzir literatura francesa do século XX. Foi na década de 60 que começou a publicar a sua poesia e traduções, tendo publicado diversos livros, entre eles  “How Long”, finalista do Pulitzer Prize, em 2011 e “Collected Poems”, vencedor do L.A. Times Book Prize, em 2013. Durante muitos anos, Padgett dedicou-se também ao ensino da escrita criativa e poética às crianças e foi diretor editorial numa organização sem fins lucrativos especializada nessa área e escreveu vários livros sobre o assunto. Em 2016, alguns de seus poemas ficaram famosos por figurarem no filme Paterson, de Jim Jarmusch, incluindo dois escritos expressamente para o filme.

POEMA

Está aqui –
e se relaxares
por um momento
as tuas costas
e outras partes
vão chegar
e tu, juntamente com elas,
podes ser
um pouco
de felicidade.

É BOM

É bom ter um aquecedor
onde chegar as mãos
e aquecê-las o suficiente para segurar uma caneta
para escrever <<É bom ter um aquecedor>>
e sentir o calor
a espalhar-se desde os joelhos
até às canelas
apesar de sentado não se poder
fazer muito com elas.
Elas estão apenas lá em baixo
a ser o que são.

PAUL ELUARD

Paul Eluard disse:
<<Há outro mundo
mas está dentro deste>>
ou algo semelhante.
Eu diria:
<<Tudo é suficientemente estranho
tal como é>>
ou algo semelhante.
A minha escrita à mão, por exemplo,
e a minha mão a escrever.
Mão, diz olá ao Paul Eluard.

CORTINA

A fazer xixi de pé na casa de banho
olho para a cortina diante de mim
algodão vermelho com pequenas flores amarelas
do Liberty Fabrics (Londres) 1970
e sinto que estou a subir aos céus
até que me lembro de que em breve
farei 70 anos e que a qualquer momento
poderei sentir uma dor paroxística
na cabeça e juntamente com a cortina cair e
tombar morto –
isto podia acontecer agora mesmo!
Mas não, a cortina fica no sítio
e eu estou aqui de pé
e a cortina ainda está ótima.

ACONTECE

Acabei por não ser
a pessoa
que esperava ser,
temos mesmo
muita pena.

INACÇÃO DOS SAPATOS

Há muitas coisas a fazer hoje
e é um dia esplêndido onde fazê-las

Cada coisa um prazer em fazer
e um prazer ao ter feito

Sei-o pela calma que sinto
quando penso em fazê-las

Quase consigo ouvi-las dizendo
Obrigado por nos fazeres

E quando a noite chegar
vou tirar os sapatos e colocá-los no chão

E pensar como são bonitos
sentados?… de pé?… ali

Sem fazer nada

MUNDO MATERIAL

Deixá-lo fluir à luz e ao ar
e querer que assim se faça e tê-lo no quarto a teu lado
como se uma pessoa feita de luz e ar
pudesse materializar-se aqui

Materializámo-nos
eu e toda a gente

Karl Marx
baseou as suas ideias
no materialismo

e se olhares para a sua cara e barba
não consegues ver um único raio de luz
e não consegues imaginar que respirava ar

Karl Marx
Ar Ar

O pinheiro, o aberto, o lariço,
alto na manhã fresca

É difícil dizer o quão mais importantes
são as árvores relativamente a Karl Marx

Aos três anos Marx não disse
Gostaria de ser uma árvore
e, claro, a árvore está sempre a dizer
Sem comentários

apesar de estares a dançar com a árvore
enquanto por cima uma pequena divindade grega
vai circulando num glissando a que chamamos asas
à beira da materialização
e aqui estamos

SOMBRAS CORTADAS

Vendemos
sombras cortadas

Venha visitar-nos

Pode comprar a sombra cortada
que quiser

Uma flor?

Aqui tem
a sombra

de uma flor cortada

*Poemas do livro “Poemas Escolhidos”, Assírio & Alvim, 2018.
Tradução de Rosalina Marshall