Daniela Martins Laubé, psicanalista e escritora, é nascida na primavera de 1982, na cidade de São Paulo, e reside em Minas Gerais, em Belo Horizonte. Além de participações em diversas antologias, tem publicados dois livros: “Preliminares – nudez no verso” e o infantil “Hoje não pode brincar lá fora”, ambos lançados na Bienal Internacional do Livro do Rio de Janeiro de 2021, pela Editora Litteris. Atualmente é educadora voluntária responsável pela oficina de poesia da Casa Bem-Me-Quer (BH). Publica escritos na página @danilaube.

Dominó

Mora ao alcance da ponta de um dedo
O deflagrar de um enredo cadenciado
Toque do manto digital na peça que comanda
E uma dança conduz à queda de segredo em segredo

Cai a vergonha
Cai o medo
Cai o pudor
(sobra desejo)
Cai a calma
Cai a palidez
(espraia rubor)
Cai o fôlego
Cai o suor
Cai o silêncio
(ressoa incêndio)
Cai o controle
Cai a tensão
Cai a lógica
Cai concentração
(esquecem os nomes)
Cai mulher sobre homem
Cai a tranca do portal da vida
Cai neurônio sobre neurônio
Cai endorfina sobre o corpo
Caem as pálpebras
Até que caem no sono
Abraço da morte pequenina.

Um Caso

Minha legítima indefesa gula
Tua ilegítima defesa nua
E o esbulho possessório
Da minha morada tranquila

É contraditório
Crime de que mais gosto
Faz titularidade do meu bem
Sem isenção
Imposto
Sem interdito
Proibitório

Cláusulas recíprocas
Sem penalidades
Tutelam vontades
Promessas exclusivas

Conjunção carnal
Garantia Pétrea
Constituinte etérea
Em pele animal

O processo segue lento
Periciando instintos
Em rastros não ditos

Sustentação oral
Recorre à procedente imprudência
E a anuência sentencia:
Meu lado direito no leito esquerdo
É avesso a sua ausência

Nudez no Verso

Caiam todas as palavras
Uma a uma, precipitadas ao colchão
Bato-as acentuadas dos lençóis ao chão
Suspiram assentadas consoantes
Selvagens soltas sacodem
Suaves semânticas sem freios
Entremeios de vogais excitadas escorrem
Entregam engatinhar de entorses
Inaugurais instando espiar esguio
E eu me rio…
Canto da boca em vírgula
Pontua beijos-pausas sobre sua pele
Não me esquivo
Da renda de adjetivos que recobre
Corpo nobre e sem sinônimos
Rendo-me aos vocativos plurais anônimos
Parte do roteiro das prosas dessas horas…
Exclamo desejo e reticências
Como sequência de gemidos
Apalpo todos seus substantivos
Lendo glossário dos deus sentidos
Nudez do verso em que me abrigo
Descobre em você tamanha poesia
Quando muda, resta nua
Inflamada sobre a cama
Ama em toda e qualquer língua.

*Poemas do livro “Preliminares – nudez do verso”, editora Courier, 2021.