por Luiz Otávio Oliani

 

 

“Viver não tem nome próprio”
Noélia Ribeiro

O intelectual Fabio de Sousa Coutinho, que dispensa apresentações, nas orelhas de “Assim não vale”, de Noélia Ribeiro, Cajazeiras, Arribaçã, 2022,cita que o livro em pauta corresponde a uma “pentalogia lírica de altíssimo quilate, consolidando sua obra poética no seio da família dos melhores e mais criativos versejadores da lúcida e culta geração intelectual a que pertence.”

Não à toa, o percurso poético de Noélia Ribeiro (foto) sempre veio marcado por livros de poemas com uma única palavra. É possível dizer que os títulos se referem à forma como ela mesma se vê, salvo o primeiro título que é “Expectativa”(1982). Depois, ela se viu como uma mulher “Atarantada” (2009), “Escalafobética” (2015) e “Espevitada” (2017).
A partir de então, como todo intelectual que se preza e se reinventa, Noélia percebeu que precisava de algo diferente. Deu liberdade à imaginação, ao intitular o quinto livro “Assim não vale”.

No prefácio à obra, p.5, Wanda Monteiro expôs que o livro possui uma “escrita engajada e afetuosa, diante da perspectiva de uma realidade absurda do que a própria irrealia do imaginário poético.”

Enfatizou Wanda que tal literatura trazia o cotidiano diante de um maravilhamento de banalidades, à luz do mundo em contraposição à realidade e ao fantástico. Por isso, a natureza libertadora agradaria aos leitores, fato já comprovado por este que escreve.

Sobre o primeiro poema da obra, com o nome do livro, na página 15, percebe-se o excesso de gerundismos. Trata-se de estratégia linguística para se contrapor ao “particípio de viver” e ao “particípio da existência”, faltando à poeta apenas o infinitivo para “brincar com as formas verbais.”

Em “Quarentena”, p.16, o poema reflete o isolamento social em meio à pandemia da covid-19, pois o eu lírico revela que ia “Do quarto / para sala, da sala para o quarto(…)” e que era preciso sobreviver em meio àquele pesadelo, já que “Superar a si mesmo / oferece perigo semelhante.”

A possibilidade desponta diante de “Se eu pudesse”, p.21, no qual o eu lírico agiria de forma diferente no término de um relacionamento.

E quanto às contradições do sentimento amoroso, estas nascem a partir do jogo de rimas presentes em “O meu, não”, p.24: “grego” x”troiano”; “esperto” x “lhano”, entre outros.

Anáforas despontam na dualidade do amor, quando o eu lírico reconhece a pessoa amada: “Aprendi a invejar-te / plenamente, só não a teu sofrimento.”

“Poço dos desejos”,p.27,conta uma história em quatro versos, já que é relatado o drama de uma pessoa que experimenta a fome, após jogar as moedas do almoço em um poço, tudo para pedir o retorno do ser amado.
A fantasia desponta em “Diferença lunar”, p.30, quando o eu lírico revela que só conseguiria ficar ao lado de quem fosse sonhador, pois “Não me / completa quem não olha pra lua.” Por isso mesmo, escrever poemas à pessoa amada seria ruim, como “Pressa”, p.32, já que ela leria apenas o título do texto. Urge viver “Convivendo com a dor”,p.34.
Em “Desjardim”,p.39, os versos “Ela: bem-te-vis / Ele: malmequeres” traduzem as dificuldades do viver a dois, por meio e elementos da natureza.

A vigilância das câmeras de segurança na sociedade pós-moderna, neoliberal e globalizada está em “Crime passional”, p.46, quando o eu lírico apresentará todo o percurso antes da prática de um crime, com o lembrete “SORRIA. VOCÊ ESTÁ SENDO FILMADO.”

Noélia, consciente do papel que lhe cabe como mulher, mãe e escritora (artista da palavra), jamais ignoraria temas tão importantes como o feminicídio e a violência contra as mulheres. Por isso, o poema “Do lar”, p.51, cumpre tal função.

Diante da metalinguagem, em “Nenhuma poesia no real”,p.57, diz o eu lírico que: “Para fazer um poema, o poeta escava palavras / nas fissuras.” Ou que “O poema quer ficar sozinho./ O poema tolera-se.” em “Folha em branco”,p.63.

Em “A palavra na cabeça de Alice”,p.47, além da riqueza linguística, há jogos de palavras interessantes como “Alice ouve / Houve Alice”, além do fato de a personagem ouvir sempre alguém gritar, e a palavra sempre age em um universo diferente, até que a personagem a possua.

E se a poesia pode tratar de qualquer tema, cabe ao poeta ter maturidade suficiente para lidar com a matéria-prima dos versos. Noélia sabe fazê-lo em “Diversa idade”, p.65, comprova isso, a começar pelo belo trocadilho do título. Ao tratar da diversidade sexual e da descoberta precoce do amor, não há panfletarismos em um poema que é, de fato, belo, e vale a leitura.

“Questão de gênero”, p.41, é um poema que dialoga com as minorias ligadas ao movimento LGBTQI+, ao mostrar que a abordagem sobre qualquer tema depende mais da capacidade do poeta em escrever do que qualquer outro fator.

“O amor não é esquizofrênico./ Esquizofrênicos são os amantes.” Estes são os versos de “Amantes” ,p.68, a navegar pela literatura lírico-amorosa. O mesmo se dá em “Abelha-rainha”,p.72.

E, se a vida exige a monotonia dos dias, natural que a literatura seja o espaço para transgressão. “Poema corrompido”, p.44, confirma tal tese no verso final: “Optei por um poema hermeticamente cínico, / que saia do êxtase para o estado mínimo.”.

E é através desta poesia, que não se faz longa em excesso, que Noélia Ribeiro se notabiliza.

*LUIZ OTÁVIO OLIANI é professor e escritor. Publicou 18 livros, incluindo poesia, conto, teatro e literatura infantil.