Por Igor Calazans

Antonio Carlos Secchin nasceu no Rio de Janeiro em 1952. É professor emérito de Literatura Brasileira da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Doutor em Letras pela mesma Universidade. Eleito em junho de 2004 para a Academia Brasileira de Letras, possui oito livros publicados, entre eles “Desdizer”, de 2017, com sua poesia reunida. Em 2018 publicou, na área da literatura infantil, O galo gago, que recebeu selo “Altamente Recomendável”, da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil e foi finalista do Prêmio Jabuti 2019. Ensaísta, publicou em 2018 “Percursos da poesia brasileira, do século 18 ao 21”, ganhador do Prêmio da APCA (Associação Paulista dos Críticos de Arte) como o melhor livro de ensaios publicado no país. Em 2013, a editora da UFRJ publicou “Secchin: uma vida em letras”, com 88 artigos, ensaios e depoimentos sobre a sua atuação como professor, escritor e bibliófilo.

Poema para 2021 – Antonio Carlos Secchin

“Uma vacininha”, pelo amor de Deus!”,
Clamam em conjunto crentes e ateus.
O povo em casa faz coro, pedinte:
“Quero me imunizar contra 2020”.
Duzentos mil mortos perturbam finanças:
Ousaram deixar as pensões como herança.
Grana brilhando no bolso e na Bolsa:
Tal é a lei para que Deus nos ouça?
Sem crer na lei do bolso, narro:
A vida há de ser nosso bem mais raro.
E fique assim desde já celebrado:
Em vez de gente, o medo será confinado.
Declaremos, contra quem nos condena,
Que não morrer vai sempre valer a pena.
Então, que um refrão ecoe, de livro em livro:
Brasileiro bom é brasileiro vivo.

ENTREVISTA

01 – O que significa ser Poeta na atualidade?

– O que sempre foi: atuar no ponto extremo da linguagem, onde os significantes se tornam espessos, e nos levam a expandir todos os significados.

02 – Qual é a sua visão sobre a produção poética contemporânea?

– Em tempos de pandemia, sou contra aglomerações, de pessoas e de poetas. Prefiro o campo da dispersão, onde, cada um sendo ou tentando ser cada um, não é possível detectar traços grupais, sempre empobrecedores frente à riqueza da aventura individual.

03 – Qual é a função social da poesia e do/a poeta na atualidade? Ele/a precisa ser

– A poesia não precisa ser, nem deve ser, partidária. É sempre política, e sua “disfunção” ou disfuncionalidade é um trunfo de que não pode abrir mão.

04 – Inspiração ou transpiração: o que é mais importante na sua produção poética?

– A inspiração suada, ou a transpiração inspirada. Não há como dissociar dois elementos que estão sempre juntos, embora, às vezes, um se sobressaia frente ao outro. Mas logo depois esse outro reage e dá o troco. O poema é o resultado desse embate sem fim.

05 – Quais são suas principais referências poéticas? Como elas acrescentaram na sua escrita?

– Sempre digo que leio grandes poetas para aprender o que não deve mais ser feito, porque eles já o fizeram melhor do que ninguém. A influência explícita não acrescenta, ela subtrai a possibilidade de uma voz tentar, modestamente embora, acerta e errar por conta própria.

06 – Versos livres ou métricos? Linguagem coloquial ou erudita? Você diferencia poesia de poema? Como? Ainda há espaço para poemas líricos, clássicos e ditos “fixos”?

– Todo verso é rítmico. Se esse ritmo será constante, regular, ou fora de padrões tradicionais, cabe ao poeta decidir onde melhor se realiza. Às vezes, nos dois caminhos. Para que excluir um deles?

07 – Por que você escreve?

– Arriscaria dizer que escrevemos porque o que já foi escrito sempre deixa uma fresta para que algo mais ainda seja expresso.

08 – Estamos historicamente em uma geração que busca “revisar” os acontecimentos do mundo e trazer à tona as versões oprimidas. Com isso, muitas obras clássicas passaram a ser criticadas, assim como seus autores. É possível separar os tempos e não associar esse passado à atualidade?

– Todo grande texto dialoga com seu tempo e com o futuro. O ideal é estarmos atentos a essas duas perspectivas. Não cobrarmos de um texto antigo aquilo que a contemporaneidade exige. Mas exigirmos de um texto antigo algo que ainda o faça estar vivo hoje em dia.

09 – Como você vê a efervescência da poesia e o aparecimento de inúmeros poetas nas redes sociais? Esse aumento traz benefícios? Ajuda ou atrapalha? Aproxima a poesia das pessoas ou banaliza a qualidade de produção?

– Bom para os poetas, mas suponho que haja muito mais poetas do que leitores de poesia. Acaba, às vezes, por gerar-se um movimento endógeno, onde um autor só lê os pares de seu próprio grupo (se é que os lê). Fora o fato de alguns suporem que jogar no papel ou na tela palavras e frases recortadas a esmo já significa estar fazendo poesia.

10 – Como poeta, de que maneira você acha que será lembrado/a um dia?

– Nada me garante que serei lembrado. Um poeta, Julio Salusse, é recordado por uma rima (cisne/tisne). Outro, Guimarães Jr., por um verso: “Depois de um longo e tenebroso inverno”. Se não for presunçoso demais, gostaria que, de minha obra, perdurasse ao menos uma estrofe inteira (risos).

*Entrevista retirada do livro “Na Poesia Viva: A Poesia Contemporânea Em Frente e Verso”, de Igor Calazans, publicado pela Editora Viés, em 2020.