No quadrado de céu
da janela
crio mundos impossíveis
que jamais viverão.
Mundos que enxergo no momento
de liberdade de crença
quando aparecem ao desafogo
de vontades reprimidas
iluminados que são
pelo sol da imaginação
do que não pode ser.

Pelo quadrado de céu
da janela
meus instintos recalcados se agigantam
libertos como um deus antigo
sacodem as asas e se atiram rumo à estratosfera
dos sonhos incongruentes
colhendo desejos
que são mais da carne
que do espírito;
desejos que a carne não experimenta
mas o espírito reprova.

Pelo quadrado da janela
passam carne e espírito
às vezes mais carne
outras mais espírito
vezes muitas o impossível
dentro do possível.

Sem ânimo de promover reação
na solidão do leito estreito
me deixo levar pelo impossível
porque se mostra mais humano
mais de todos..

E na passividade da tarde cinzenta
o quadrado da janela
vira um mundo em era cenozóica…

Anjos volutuosos rodopiam
dançam o tango
bebem uísque
fumam cigarros americanos
aspiram cocaína.

O céu entra em pecado.

Perfume de santos
cheiro de demônios;
de demônios que se enquadram
no quadrado da janela
penetram na cabeça
correm pelas veias
retesam os músculos
e acabam vencendo os santos.

Me distribuo então
pelos cabarés de Paris
tomo parte em candomblés
senegalescos
possuo haréns vigiados
por mil eunucos
imponho o safismo
entre as filhas de maria.

E então
o mundo gira em torno à carne:
os anjos são carne
os santos são carne
o demônio é carne
carne são os dogmas prevalecentes
as ambições elevadas.

O espírito vira carne.

No quadrado da janela
o mundo inteiro é carne
e o céu se liga ao inferno.

Suspiros cicios cios
bocas se misturando
beijos se multiplicando
abraços se apertando
corpos se juntando infrenes
a carne carne atraindo
idéias amarradas…

Mas não há sangue.

O quadrado da janela
torna-se anarquista
entra em revoluções
sacrifica as castas
bombardeia as leis
escorraça os imperadores
e transforma-se em lobisomem.

Mas não há sangue.

Não há sangue porque
o quadrado da janela
dentro do impossível
acaba se estrangulando.
E o vento siberiano
que a propósito chega
desinfeta o ambiente
arrastando por fim o rebotalho
pelas estepes brancas sem término
a enterrá-lo no princípio das eras.