“Azo Vácuo”, de Igor Calazans, foi publicado pela Opera Editora, em 2022. O livro, quinta obra do poeta, tem prefácio do Mestre em Literatura Brasileira, Marcelo Mourão, vice-presidente da União Brasileira dos Escritores (UBE), do Rio de Janeiro. Com poemas críticos e questionadores, a obra aborda temas existencialistas e psicológicos, levantando perspectivas sobre a memórias da vida diante os acontecimentos diários.

Azo Vácuo

O silêncio,
nunca ouvi mais quieto:
silente, sibilo,
simbólico
ao pé do ouvido,
sumiu-se como o nada
passa pelo vazio mais perto.
Mas sei que o nada não existe
ou, se existe, pelo menos
não é nada disso…
Pois se fosse alguma
outra coisa,
o nada

(ao ouvirmos
os zumbidos da falácia)

calaria a voz
enquanto muda o seu sentido,
no hiato indizível
onde nascem as palavras.

Poema Inevitável

E tudo num segundo
Para o instante:
– Já não passa mais nada.
O momento morre
Coibido e intacto.
Os olhos não veem,
A lembrança desatina…
Tudo se perde enquanto
Ganhamos mais tempo na vida.
Há um mistério
Que de tão secreto esconderijo
Precisa ser contado
Para não ser esquecido.

Incólume

Incólume,
inexpressivo
gosto de nada.
Saliva pra dentro
no cuspe da boca,
indecisas
e invioláveis marcas.
Afronta
indireta
que aborda
o fio final do esboço,
como os desvios
das leis naturais
decretam a imagem
dos loucos.
Cercos
das anomalias exatas
nos gritam
a soma
secreta,
das pessoas
insossas no caos
isoladas nos restos da terra.
No ventre
da Besta
inócua,
onde as coisas
decidem-se
avaras,
a tez febril
perigosa
não abre a própria
camada,
quando a vida,
seguinte da morte,
nasce no tempo
mais forte
para ser
novamente
inventada

Ritmo e Imagem

Gostaria de dançar meu último verso
preso ao seu corpo
atravessando o movimento
ao pé do ritmo.
Essa rima que só existe
nas palavras
escondidas pela voz
de quem canta
silente a harmonia das almas.
Os passos
da cadência,
a expressão das mãos
no desaguar das
salivas silábicas
na ponta da língua.
Entoando coreografias
de um pulsar profundo
que desacelera
o tempo do nosso espaço
ao ápice
do silêncio mútuo.

Pedra Filosofal

Reunindo Ruídos,
Ruminam Ruínas Roídas,
Removendo Retinas Risíveis.
Rastros Repentinos, Ramificados,
Retesam Rentes, Rápidos,
Reintegrando Rachas Retorcidas.
Rosnando Raso
Restam Rumos Ríspidos,
Roçam Redomas,
Respirando, Rodando, Retas Ridículas,
Retomando Rampas Repletas,
Refletindo Resquícios Recíprocos.
Rubras Raízes Resistem Rompidas
Recebendo Rajadas Retidas,
Rangendo Rotos Roucos
(Ritos Ruins, Rogas Ressentidas…).
Reprimidas Relações Renunciadas,
Rejeitam Razões Rarefeitas.
Rosas Roxas Rutilam,
Revigoram Rusgas Roubadas,
Rendem-se Rotas Recaídas,
Reiteram, Repartem, Realçam,
Rasgam-se Realizadas,
Re(nascendo) Refeitas,
Resol(vidas), Raras…

Só Uma Vida

Talvez eu seja um desperdício da natureza
Um princípio interrompido
De uma lógica mal feita
Que jamais se assemelha

Talvez eu seja um milagre contrito
Com algo de aspereza
No âmago restrito
Da inóspita certeza

Alma anosa e desvalida
Por saber o que se deixa
No final de cada dia

E, sem mais tempo a perder,
Noutras formas de nascer
Só restando a mesma vida.

Órfãos

O céu resquício de uma boca-mata
emboca as marcas dos confins de estrela,
com a lua farta da tua pele clara
por feridas lastram-se uma noite negra.

Escolhido a dedo, ansioso dia,
por fim sabia ser inevitável
viver aos olhos da tua cria
um filho órfão, desventurado.

Da chaga aberta em corpo fechado
o silêncio atávico e de sussurro grito,
por sangue cálido e dilacerado
a dor do parto foi ter nascido.

Maior que o tempo de todo rastro,
espargem mortas às noites negras,
tão brandas as cores no céu escasso
o dia acolhe a órfã estrela.

Causa Natural

Se eu fosse um peixe
Morreria afogado
Se fosse formiga
Morreria soterrado
Se fosse um pássaro, no ar,
Morreria asfixiado.
Mas, como sou humano,
Eu mato.

Branco a Limpo

Um poema passado
Em branco
Para a história passada
Em branco.
Quando
As palavras passadas
A limpo
São das sujeiras
Do passado
Em branco
Limpa-se como?

Fração de Segundos ou Tempo Precioso

Se tua coragem
Não te leva a nada,
Não passa de raiva acumulada
Pelas perdas ressentidas,
Se não te queima por fora,
Cospe a droga,
Não abre a sua essência
Ferida,
É melhor morrer de medo
À covardia de si mesmo.
Se em plena histeria
Sua voz ataca o vento,
Rompe o voto de silêncio
Com venosa chaga,
Se ao invés da guerra
Seu corpo fosse a própria arma…
Onde estaria à valentia
Que à força te obriga
Culpar a briga de outras mágoas?
Brio de dignidade,
Honra,
Ego ou orgulho…
A violência impetuosa
Por descuidos
Sabe suas fraquezas
Mais poderosas.

*Aqui você pode ler uma resenha completa sobre “Azo Vácuo“, escrita pelo professor Luiz Otávio Oliani.