Guilherme Zarvos nasceu em São Paulo, em 1957. Com 2 anos veio para o Rio de Janeiro. Estudou Economia na PUC-RJ, fez Mestrado em Ciências Sociais na UFRJ e Doutorado em Literatura Brasileira na PUC-RJ. Nos anos 70 atuou em teatro amador, surfou e iniciou sua boemia. Nos anos 80 trabalhou com Darcy Ribeiro no projeto de implantação das escolas denominadas CIEPs. Viajou quase 2 anos como mochileiro e em 1990 participou da fundação do CEP 20.000. De lá para cá já publicou mais de 10 livros, sendo o último deles “Garota”, pela Ed. Córrego em 2019.

Pra lá dos 70

Envelhecendo com dignidade, convivendo com as
Doenças, seja a diabete, que deixa minhas pernas
Negras, o coração de mudanças de ritmo e de humor,

O pulmão com água. Envelhecendo e esperando a
Morte. Sem revolta. Comendo de tudo. Tudo é
Proibido. Sonhando com viagens que não posso
Executar. O médico manda exames, às vezes os
Faço, às vezes nem envio de volta: ficam no armário
Canetas, relógios, fotos da família, contas já pagas e
Várias pílulas, todas as cores, chego a tomar 17 ou
Mais por dia. Se estou com raiva não olho a
Prescrição. Esqueço. O que mais pode me acontecer
Morrer? Já nem sei o que é isto. Estou tão próximo
Da morte que ela já nem existe. Estou dentro do
Enlace da morte. Eu quero é que se foda. Desculpem-me.
Envelheço com dignidade.

– Guilherme Zarvos –

ENTREVISTA

01 – O que significa ser Poeta na atualidade?

– Ser Poeta, continua na atualidade, com exceção de pequenas cidades do nordeste em que a versação é uma fala/provocação, um desafio que muitíssimas pessoas participam, é pertencer a um grupo contabilmente mínimo da população. Mas é contraditório, pois pensando no Brasil as/os Poetas são milhares adivindex de todo o país que insistem em escrever neste gênero literário por longas temporadas. Por um lado existe a ideia de: ah, este cara é poeta – como se fosse algo de estar fora da realidade. Por outro sempre que há um discurso oficial progressista as autoridades citam poetas ou partes de poesias mesmo que não as leiam muito. Ser Poeta é, principalmente, não conseguir deixar de escrever poesia. Se incluirmos as/os que já escreveram poesia nas escolas, que criaram letra para músicas, como letristas, ou batalhas e participações Funk, Rap, Partido Alto o número de criadorex aumentam muito.

02 – Qual é a sua visão sobre a produção poética contemporânea?

– Nunca foram publicados tantos livros de poesia em papel no Brasil nestes últimos anos. E com ótima qualidade. Mesmo que as edições sejam de poucas unidades ou artesanais. É contraditório com o aumento vertiginoso da leitura e da audição via plataformas da internet. Entretanto conversando com minhas/meus companheirex de poesia é através dos livros em papel que os grupos se identificam. Assim um blog na internet pode ter dezenas de milhares de visualizações mas não atingir o público que projeta, através do reconhecimento, em livros, sobre os rumos da poesia contemporânea de alta qualidade. Costuma-se dizer que são patotas, mas não é a verdade. São leitores e escritores que se comunicam não pelo volume de visualizações mas pelo conhecimento do que faz um novo livro ser instigante. Claro que facilita o/a escritorex ser do Rio e de Sampa. Mas não é fundamental. Também são importantes os blogs produzidos por poetas identificados como significativos por seus pares mas não é o suficiente. No futuro, principalmente para a poesia visual, deverão ser encontradas formas inovadoras que aproximarão a poesia de outras artes e difusões. Entretanto é espantosa a dificuldade de se encontrar pdfs gratuitos e de fácil acesso se comparados ao youtube e a difusão de clipes musicais. Além dos livros em papel, dos importantíssimos saraus que se notabilizam por toda a cidade do Rio de Janeiro, que é onde mais conheço, é necessária a criação de plataformas para o oferecimento gratuito da nova produção de poesia. É clicar conhecer ter prazer e escrever sua voz.

03 – Qual é a função social da poesia e do/a poeta na atualidade? Ele/a precisa ser atuante e se posicionar?

– A função social da poesia tem relação com as demais artes, mas principalmente por condensar o pensamento através de palavras num processo de deslocamento da lógica do discurso num cantar que se dá pelo ritmo de versos e de frases. Esta necessidade de inventar descobrir reorganizar a vida vem potencializada no final da adolescência em que se questiona a educação juvenil e projeta-se o futuro em que nesta idade uma década é um tempo longuíssimo. Ganhar voz, impor os desejos pulsantes começar a ser um adulto separando-se das certezas familiares, compondo a identidade e a poesia é uma instrumentalização que pode ser muito importante para muitíssimos jovens inovadorex.

Quanto a necessidade de se posicionar segue esta mesma linha de pensamento mas que ganha muita força neste início de século. Quem sou? E ao escrever receberá comentários que podem desagradar ou fortalecer as necessidades do corpo desejante. Obter contatos. Estar em grupos que se auto- identificam. Apesar de não haver uma obrigação de escrita explicitamente política ou moral na contemporaneidade são muitíssimaos criadorex sentindo necessidade de uma escrita política e moral que dê voz às suas realidades corporais. Esta escrita compromissada é cada vez mais importante. Certamente é uma poesia mais racional. Que estará no somatório de outras possibilidades em que o efeito principal é a liberdade e a sinceridade.

04 – Inspiração ou transpiração: o que é mais importante na sua produção poética?

– Inspiração com a necessária transpiração. Minha poesia é escrita por fases e escrevo cada livro como uma unidade conceitual. Mesmo ao misturar formas elas se mostram com proporção. Também escrevo para além do gênero poesia. No passado ficava empacado se não publicasse cada livro. No momento tenho três livros prontos e, na pandemia, escrevo menos, finalizei um mas tenho a dificuldade de começar mais um. Quando um poema aparece escrevo mas sem pensar na continuidade do livro. Eles ficam dando seu tempo para meu tempo e quem sabe façam parte de uma composição no futuro. Sempre deixei, mesmo que desejoso por publicar, que os livros ganhassem uma maturidade que envolve esquecimento e redescoberta.

05 – Quais são suas principais referências poéticas? Como elas acrescentaram na sua escrita?

– Esta pergunta é tão difícil, pois requereria um longo pensamento sobre centenas de livros que me influenciaram. Fui antes um leitor e publiquei meu primeiro livro de ficção com mais de 30 anos. Além disto, também, centenas de acontecimentos, tão importantes quanto as leituras, me levaram à necessidade de publicar. Um beijo especial para Tutaméia, do Guimarães Rosa, a Carta de Amor de J F Prufrock, do Eliot e o limite da navalha, de Italo Diblasi, poeta fundamental que me fez continuar escrevendo nestes últimos quatro anos.

06 – Versos livres ou métricos? Linguagem coloquial ou erudita? Você diferencia poesia de poema? Como? Ainda há espaço para poemas líricos, clássicos e ditos “fixos”?

– Já faz mais de 100 anos em que a poesia sem métrica é a que traz as novidades para o gênero. A metrificação, muitas vezes, parece cópia do passado. Mas é claro que há poetas instigantes que escrevem com metrificação. Li recentemente a peça metrificada “O Assassinato da Rosa”, de Paulo Fichtner, que utilizou formas fixas, porém dialogando com inovação de voz contemporânea. Cada Poeta tem sua linguagem que pode ser mais coloquial ou mais rebuscada. O importante é não engessar a escrita. a poesia é um gênero e o poema sua consequência. Entende-se, também, poesia como um estado de ser. O lirismo continua a ser a principal forma na atualidade, entretanto podem-se homenagear as tragédias e os poemas épicos. Soma-se desde o Moderno a prosa poética, mesmo no simbolismo, a poesia visual, idem, e os manifestos. Pode-se fazer poesia epistolar. Ou descrições geológicas como poesia. Continuamos, na atualidade, mesmo na poesia de denúncia, a saborosa possibilidade da experimentação.

07 – Por que você escreve?

– Sou um escritor que publicou após os 30 anos. Foram possibilidades de outras vidas, abandonadas, que me levaram a ter na escrita o principal caminho para lançar minha voz pública e minha sanidade mental. Chego aos 64 anos com muitos livros lançados ou por lançar brevemente mantendo minha vida nada convencional.

08 – Estamos historicamente em uma geração que busca “revisar” os acontecimentos do mundo e trazer à tona as versões oprimidas. Com isso, muitas obras clássicas passaram a ser criticadas, assim como seus autores. É possível separar os tempos e não associar esse passado à atualidade?

– As obras clássicas, as icônicas, podem ser criticadas, até mesmo esquecidas. São milhares de livros incríveis já publicados e mesmo se levando em conta o momento em que foram escritas não se justificarem para a atualidade. Mas sempre haverá autores e livros que ficarão apesar incorreção moral dos conteúdos e dos escritores. É claro que quando indico um livro levo em conta além da qualidade aspectos do subjetivo do conteúdo que refletem a visão de mundo do autor. Mas cada caso é um caso e deve-se ater à importância de cada livro para quem o lê. Assim posso ler com prazer uma escritora esquizofrênica que escreveu que iria matar uma enfermeira e realizou o ato. É o contexto e a qualidade da escrita. É diferente ler um escritor que utiliza palavras racistas 100 anos ou bem mais atrás e outro que o fez nestes últimos 50 anos. Cada geração escolherá e modificará as escolhas dos livros marcantes. Mas não deixaremos de ler tragédias gregas ou as do Shakespeare, Céline ou Pound por defeitos morais na escrita ou da vida destes autores. Mas a enorme maioria dos livros que permanecem, além da qualidade, ficam como lições que contribuem para o imaginário libertário.

09 – Como você vê a efervescência da poesia e o aparecimento de inúmeros poetas nas redes sociais? Esse aumento traz benefícios? Ajuda ou atrapalha? Aproxima a poesia das pessoas ou banaliza a qualidade de produção?

– Respondi anteriormente estas questões. As Redes Sociais são importantíssimas para a difusão da poesia. E no futuro serão ainda mais importantes. A questão está na facilitação de acesso aos pdfs gratuitos. A qualidade não é o objetivo desta necessidade. A procura por livros gratuitos sim. A autorex e as editoras são que devem estar atentas ao movimento. Já que são de pequenas edições a difusão fará com que pedidos do objeto cresçam.

10 – Como poeta, de que maneira você acha que será lembrado/a um dia?

– Tomara que seja lembrado. Acompanhado por risadas e de aumento no desejo dos corpos.

*Entrevista retirada do livro “Na Poesia Viva: A Poesia Contemporânea Em Frente e Verso”, de Igor Calazans, publicado pela Editora Viés, em 2020.