Margaret Eleanor Atwood nasceu em Ottawa, Canadá, a 18 de novembro de 1939. Uma das principais escritoras da atualidade, destaca-se por obras que ficaram conhecidas em todo mundo a partir de adaptações para o cinema, como o livro “O conto de Aia”, de 1985, e que virou série em 2017, vencendo os mais importantes prêmios do gênero. No entanto, a vida de Margaret Atwood na literatura iniciou-se na poesia, aos 16 anos. Sua poética aborda temas que vão desde o cotidiano, em reflexões políticas e sociais, até criações fantásticas, a partir do mundo dos contos de fadas e origens da mitologia.
ALMA DE PÁSSARO
Se os pássaros fossem almas humanas
Qual pássaro seria você?
Uma ave da primavera com canto alegre?
Uma daquelas que voa bem alto?
Você seria um pássaro noturno
Observando a lua
Cantando Estou só, Estou só
Cantando Triste Fim?
Você só seria uma coruja
Uma predadora de penugem macia?
Caçadora incansável, você estaria caçando
A alma do seu assassino?
Sei que você não é um pássaro
Embora tenha voado
Para longe, muito longe.
Eu preciso que você esteja em algum lugar…
*Poema retirado do livro, “Poemas Tardios”, Rocco, 2020.
Tradução de Stephanie Borges
OBSERVAÇÕES DA EDITORA
Um ponto poderia ser (segundo ela)
se afastar um pouco
da advertência e do desespero
Em vez disso (ela disse)
tente oferecer
um contexto empírico
a compreensão do humano
o impacto (de acordo com ela) humano
o pacto humano
então deixe as pessoas
deixe as pessoas chegarem
por si só as pessoas chegam
às suas conclusões.
Às próprias conclusões.
Ela disse:
Há um certo perigo nisso.
*Poema retirado do livro, “Poemas Tardios”, Rocco, 2020.
Tradução de Stephanie Borges
A CRIANÇA FERIDA
A criança ferida vai mordê-lo.
A criança ferida vai se tornar
uma criatura assustadora
e mordê-lo aí mesmo onde você está.
A criança ferida verá a pele se formar
sobre o ferimento que recebeu de você
– recebe não, porque o ferimento
não é um presente, um presente é aceito
livremente, e a criança não teve escolha.
Ela vai formar uma pele sobre o ferimento,
o ferimento acumulado, o ferimento que atravessa gerações
e que você extraiu com força de si mesmo feito uma bala
e implantou na carne da criança –
uma pele um couro um pelo
uma crosta escaldada,
e dentes afiados de peixe
como os de um bebê deformado –
e vai mordê-lo
e você vai dizer que não vale
como é o seu hábito
e haverá uma luta
porque você vai tirar a luta da caixa
com o rótulo Lutas que guarda com tanto cuidado
para as emergências, e esta é uma delas,
e a criança ferida perderá a luta
e irá cambaleando
para os subúrbios, e causará
pânico nas drogarias e estrago
nos churrascos
e eles dirão ajudem ajudem um monstro
e sairá no noticiário
e ela será caçada
com cães, e deixará um rastro
de cabelo, pelo, escamas e dentes de leite, e lágrimas
de onde foi rasgada
com vidro quebrado e coisas do tipo
e vai se esconder em canos de esgoto
em depósitos de ferramentas, debaixo de arbusto,
lambendo sua ferida, sua raiva,
a raiva que recebeu de você
e vai se arrastar até o poço
o lago o riacho o reservatório
porque tem sede
porque é monstruosa
com sua sede feroz
que parece toda coberta de espinhas
e os cães e caçadores vão encontrá-la
e ele ficará encurralada
e uivará sobre injustiças
e vão rasgar seu corpo e abri-lo
e vão comer seu coração
e todos darão vivas,
Graças a deus acabou!
E seu sangue escorrerá para dentro d’água
e você vai bebê-lo todos os dias.
*Poema retirado do livro, “A Porta”, Rocco, 2007.
Tradução de Adriana Lisboa