Tony Harrison nasceu a 30 de abril de 1937, em Leeds, Inglaterra. Filho de um pai padeiro e mãe dona de casa, estudou língua e literatura clássicas graças a uma bolsa de estudos. Da Universidade de Leeds, sua figura e sua obra foram projetadas para ocupar um lugar central na escrita de versos na Inglaterra contemporânea. Muitas vezes polêmica, traduziu, ou melhor, reescreveu tragédias como A Oresteia ou Lisístrata.

Longa distância II

Embora minha mãe há dois anos já fosse falecida,
papai mantinha junto ao fogão os chinelos dela, quentes,
colocava ao seu lado na cama bolsas de água aquecida
e ainda ia renovar seus passes e bilhetes

Não podíamos simplesmente aparecer. Era necessário
telefonar. Ele adiava a visita por uma hora
para poder arrumar as coisas dela e parecer solitário,
como se fosse um crime sua paixão ainda pura.

Ele não podia arriscar a minha maldição da descrença,
embora tivesse certeza de que em breve ouviria
sua chave arranhar a fechadura enferrujada e acabar com sua tristeza.
Ela tinha saído para buscar o chá, ele sabia.

Acredito que a vida termina com a morte, é o que sempre digo.
Vocês não foram juntos às compras; mesmo assim, em minha
nova agenda telefônica de couro preto se aninha
seu nome e o número inativo para o qual ainda ligo.

*Tradução de Nelson Santander

Um bom livro

Marx, Ibsen e Gide naquele verão.
“Pedante!” – com seus olhos papai me disse
“Às vezes sinto que você lê demais…
Eu nunca tive tempo para um bom livro.”

Você? Bom livro? Você só leu manual,
os rótulos de whisky e cerveja.
Os gols são as únicas coisas que você viu.
Nem Kafka nem o Rei Lear te cativaram.

Você só anota coisas com dados
ou sobre a porra do futebol.

(tudo isso em minha mente)

Entendi sua posição sobre “a arte”:
Mas quando escrevo, te dou a mão.
Estes poemas sobre você, papai,
um bom livro para todos,
para gente como você, sem tempo,

Quando começo a te escrever, não posso parar!

*Tradução de Igor Calazans 

Marcado com D.

Quando a massa fria do seu corpo entrou no forno
não era como aqueles que avivaram toda a sua vida,
pensei em suas cataratas incendiadas pelo Céu
e radiantes ao ver sua esposa morta,
com uma luz fluindo da boca para formar seu nome,
“Florence não, nem Flô, mas sempre Florrie.”
Pensei em como sua língua fria estalou em chamas
mas apenas literalmente, o que me deixa triste,
triste por ele, pois não há céu para alcançar.
Recebo meu pão de cada dia direto da Terra
mas ele ansiava estar livre da fala dos mortais,
isso o limitava, e sua língua era pesada como chumbo.
O padeiro que ninguém verá nascer,
a quem a Inglaterra fez sentir como um pobre diabo insípido,
agora é fumaça suficiente para fazer seus olhos lacrimejarem
em cinzas (como farinha) para uma fatia de pão.

*Tradução de Igor Calazans