Agustín de Foxá y Torroba, também conhecido como Conde de Foxá, nasceu em Madrid, Espanha, no dia 28 de fevereiro de 1906. Poeta, romancista e dramaturgo, também foi jornalista e diplomata. Politicamente próximo do meio falangista nas décadas de 1930 e 1940, fez parte da “Geração de 27”, movimento vanguardista da poesia espanhola. No final de 1949 e início de 1950, participou​ da “missão poética”​ com os poetas Antonio de Zubiaurre, Luis Rosales e Leopoldo Panero, percorrendo diversos países ibero-americanos antes do restabelecimento da relações diplomáticas entre estes países e o regime de Franco. Nesse mesmo ano foi designado para a Embaixada da Espanha em Havana, Cuba, e retornou à Espanha em 1955, ano em que também foi eleito acadêmico da Real Academia Espanhola. Faleceu no dia 30 de junho de 1959, aos 53 anos, em Madrid.

TRINCHEIRAS NA FRENTE DE MADRID

Uma linha de terra nos separa
Mas ‘stamos tão distantes…
Para chegar junto de vós, comboios,
Rotas estranhas, praias estrangeiras.
E, todavia, ó meus irmãos adversos,
Que perto o vosso sangue! que aclararam
As mesmas frutas, que acenderam, rubro,
Primaveras e lábios semelhantes.

Não sentis esta Pátria, num tremor,
Que sob os pés vos põe os seus metais
Amassados como ossos e raízes;
Que pelo claro céu, azul e extenso,
Traz os sinos e os fumos das aldeias
Onde nascestes? Não sentis Espanha
Que está no pão, no ferro, na papoila?
Na espiga, na voz, na vossa carne?

Vós não sentis a Pátria, camaradas,
Alegres operários madrilenos?
Tu que, quando menino, ias conosco
Ao ritmo vivo de uma simples marcha
Adiante da alegre infantaria,
Sob as varandas de riçadas palmas.
Tu, que estiveste um dia ao pé de mim
No ingênuo baloiço da verbena,
No doirado palanque da toirada,
Na <<parada>> de pombas e hussardos,
no prado junto ao rio Manzanares.

Tu, irmão da oficina e do moinho,
Serralheiro que abriste a nossa porta,
Guarda-noturno das três da manhã,
Tu, sineiro de Abril de altas varandas,
Maquinista do trem dos meus Verões,
Cocheiro do Retiro onde brinquei,
Guarda da relva, vendedor humilde
De balões e bandeiras;

Por que, erguidos,
Lutais com ódio contra mim e os meus,
E na tarde de Abril vos escondeis
Quais toupeiras sinistras sob a terra?
Quando já a vitória dá nos campos
De trigo e nasce uma manhã intacta,
Endurecida de clarins doirados
E de frescas canções de juventude.

A BRIGADA DO AMANHECER

Subiam com a alba…
como piratas de noturnas vozes,
– patilhas e espingardas – afogueados,
ódio sob o cotim, coração rápido.
Cercavam as angústias das moradas,
o íntimo dos leitos e alcovas,
e a escada era já
cascata de palavras e de luzes.
E o ascensor, pousando no seu oco,
como um grito que fica na garganta.
E um revólver de Cristos e tapetes,
de vestidos, brinquedos, livros, rosas,
espadas da panóplia, com marfins.
E ali a roupa leve, branca e rosa
da rapariga com perfume a noiva.
E essa fisga do irmãozinho morto,
a almofada da infância com seu laço,
o lençol nupcial, e a vitrina
com velhos leques das antigas óperas;
a violeta seca na novela,
o anel de cabelo, o dente de oiro,
as lentes do defunto pai, geladas
com a vaga lembrança dos seus olhos.
Tudo – fúria infernal! -, tudo o que é terno
destruíam com dedos sem passado!
Assassinavam os nublosos mortos,
sobreviventes nas pequenas coisas.
Rasgavam com as duras baionetas
os lenços com as Virgens estampadas,
as cópias inocentes de Murillo,
com seus cordeiros presidindo aos sonhos,
febres, suspiros, beijos e agonias.
Era a horda pejada de intempérie
fumando na varanda dos Reais Magos
junto da palma de um domingo antigo.
E levavam o pálido rapaz
(de latim e de noiva), e toda a escada
repercutia o soluçar da mãe,
ululando na noite sem ter luzes.
E em baixo estava o carro, e o sinistro
sorriso do <<passeio>> até à morte,
até ao pó e gesso de ciprestes,
para atirar pra um descampado a carne
que abrigaram a mãe e as irmãs,
para encher de formigas uma boca
que bebeu leite doce e beijos mornos.
Era a horda da madrugada, a suja
e descomposta e verde;
entre dois lumes,
entre lua e aurora, com o sangue
como óleo sobre o macaco infame.
Brigada das três horas da manhã!
Maldita sejas, inimiga nossa!
Violadora de cândidos segredos,
quando o relógio da parede soa
evocador das cenas familiares.
As casas já sem honra e sem lembranças
maldizem vosso sangue vagabundo!

POEMA DA ANTIGUIDADE DE ESPANHA
(um tanque russo em Castela)

Os tanques russos, neve da Sibéria
Sobre estes nobres campos espanhóis.
O que pode a papoila contra as frias escórias?
E o álamo do rio, que opõe ao seu furor?

Inda tínhamos bois e arados de madeira.
Não quer ciência Castela: não surge em seus torrões
A fábrica; o seu solo produz, tal como Atenas,
Olivais, teogonias, batalhas, reis, heróis…

Para vencer Espanha, há que dizer, qual Cristo,
<<Meu Reino é doutro Mundo>>. Não levantar as foices
Nem prometer ao corpo terreais Paraísos,
Porque em Espanha surgem, dos seus túmulos, vozes.

E, suspenso dos céus, há um destino claro
Porque há genealogias, estirpes e orações;
A criança que nasce já conta dois mil anos
E mandam, com um gesto de rei, os seus pastores.

Vinde, carros da Rússia difícil mecanismo,
Animais ser ter fêmea, sem sangue e sem suores;
Com o fogo que baste pra queimar uma árvore,
Nos fundos retos sulcos ireis ficar imóveis.

Cobrir-vos-á a terra, as chuvas, as formigas,
A calhandra dos céus e as campesinas flores.
E, enquanto essa ferrugem tornar a ser paisagem,
De Santos repovoa Castela os horizontes.

HINO DA JUVENTUDE

De pé, flechas de Espanha! Falange é vitoriosa.
Dá-me um fuzil pequeno, que ouço uma clara voz!
Pra eu poder crescer nesta pátria formosa
Os meus irmãos mais velhos morreram, cara ao sol.

Nobre terra espanhola: plas tuas primaveras
Juro que a minha mão, cansada de brincar,
Há-de ser dura e firme para cravar bandeiras
Em todos os teus montes e erguê-las sobre o mar

Um dia deixaremos a mãe e os amigos
Quando o tambor da Pátria reboar pelos céus:
Faremos sentinela entre os doirados trigos
Pra ganharmos, valentes, as batalhas de Deus.

De pé, flechas de Espanha! Arriba, camaradas!
Escolas e oficinas teremos que fundar
Num grande bosque em flor e ao pé das espadas,
Porque na jovem pátria o dia nasceu já.

*Poemas do livro “Por Outras Palavras”, Editora Vega.
Tradução de António Manuel Couto Viana