Um dos principais nomes da cultura brasileira, o poeta, compositor e filósofo, Antonio Cicero, faleceu nesta quarta-feira, dia 23 de outubro, aos 79 anos. Imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL) desde 2017, o escritor lutava contra o Alzheimer nos últimos anos e optou pela eutanásia, morte que foi assistida por seu marido, Marcelo Pies. Ele estava internado na Suíça, após uma visita a Paris, cidade que fez questão de se despedir.

Segundo Pies, Cicero já havia planejado a morte assistida há um tempo e mandando documentos, mas “insistiu muito que ninguém soubesse”. O Alzheimer vinha evoluindo rapidamente, causando várias outras complicações neurológicas relacionadas à doença. O poeta fez questão de ser cremado, e suas cinzas serão trazidas por seu marido ao Brasil, onde retorna nesta quinta-feira (24).

Antonio Cicero deixou uma carta de despedida (leia a íntegra ao final), na qual afirma que não conseguia mais “escrever bons poemas nem bons ensaios de filosofia” e diz aos amigos que, “hoje, do jeito em que me encontro, fico até com vergonha de reencontrá-los”, em alusão à doença que o acometeu.

Veja a carta deixada pelo poeta:

“Queridos amigos,
Encontro-me na Suíça, prestes a praticar eutanásia.
O que ocorre é que minha vida se tornou insuportável. Estou sofrendo de
Alzheimer.
Assim, não me lembro sequer de algumas coisas que ocorreram não apenas
no passado remoto, mas mesmo de coisas que ocorreram ontem.
Exceto os amigos mais íntimos, como vocês, não mais reconheço muitas
pessoas que encontro na rua e com as quais já convivi.
Não consigo mais escrever bons poemas nem bons ensaios de filosofia.
Não consigo me concentrar nem mesmo para ler, que era a coisa de que eu
mais gostava no mundo.
Apesar de tudo isso, ainda estou lúcido bastante para reconhecer minha
terrível situação.
A convivência com vocês, meus amigos, era uma das coisas – senão a coisa
– mais importante da minha vida. Hoje, do jeito em que me encontro, fico
até com vergonha de reencontrá-los.
Pois bem, como sou ateu desde a adolescência, tenho consciência de que
quem decide se minha vida vale a pena ou não sou eu mesmo.
Espero ter vivido com dignidade e espero morrer com dignidade.
Eu os amo muito e lhes envio muitos beijos e abraços!”

SOBRE ANTONIO CICERO

Antonio Cicero Correia Lima, nasceu a 6 de outubro de 1945, no Rio de Janeiro. Um dos escritores mais conceituados da literatura brasileira contemporânea, além de poeta também é compositor, crítico literário e filósofo. Foi eleito, no dia 10 de agosto 2017, para a cadeira 27 da Academia Brasileira de Letras (ABL), sucedendo Eduardo Portella. Em 2001, o seu poema “Guardar” foi incluído na antologia “Os cem melhores poemas brasileiros do século,” organizada por Ítalo Moriconi.

Antonio Cicero escreve poesia desde muito jovem, porém foi pelas composições musicais que teve o reconhecimento inicial. Ao lado da sua irmã, a cantora Marina Lima, muita de suas letras tornaram-se sucesso na MPB, como “Fullgás”, “Pra Começar” e “À francesa”– essa em parceria com Cláudio Zoli. Entre outras parcerias, destacam-se canções com Waly Salomão, João Bosco, Orlando Morais, Adriana Calcanhotto e Lulu Santos (co-autor do hit “O Último Romântico”, de 1984).

Junto com Waly Salomão, em 1993, idealizou o projeto “Banco Nacional de Idéias”, onde promoveu ciclos de conferências e discussões de artistas e intelectuais de importância mundial, como João Cabral de Melo Neto, Haroldo de Campos, John Ashbery, Derek Walcott, Caetano Veloso, Richard Rorty, Tzvetan Todorov, Hans Magnus Enzensberger, Peter Sloterdijk, Ernest Gellner, Bento Prado Júnior, Darcy Ribeiro, entre outros. Também com Waly, em 1994, organizou o livro “O relativismo enquanto visão do mundo”, que reúne as conferências realizadas pelo projeto.

Em 2005, Antonio Cicero foi finalista do Prêmio Jabuti na categoria “Teoria / Crítica literária”, com a publicação do livro de ensaios filosóficos “Finalidades sem fim”.