Cristina Gutiérrez Leal nasceu em Coro, Venezuela, em 1988. Poeta, tradutora e professora, vive no Rio de Janeiro, onde é doutoranda em Literatura Comparada na UFRJ. Com o seu livro “Estátua de Sal”, venceu o prêmio XX Bienal de Literatura José Antonio Ramos Sucre, em 2015.  O seu poema “Sé del mar reventando contra un muro”, ganhou o II Concurso Nacional de Poesia Rafael Cadenas, em 2017. 

ARS POÉTICA

Tenho uma casa estrangulada
uma igreja na língua
repito suas paredes e claustros.
Esta Bíblia da minha avó
me ocupa de verbos
este tempo casa   prisão   jaula
me inflama o pescoço.
Muitos améns infectados na glote
buscam colar-se em minha saliva.
Soletro p o e s i a,
e escrevo Job,
maldito por justo

.                              (como minha mãe).

Vim falar com Deus em sua linguagem,

.                       (minha única língua materna).

V

Nós, os torpes
olhamos sempre para frente
mas as armadilhas vêm nos pés
Somos espertos em cair
mas não em ficarmos cegos.
É tempo de saber que cada olhar de soslaio
já foi sofrido.
E quando nesta casa perguntam por vocês
.                vocês, os que treinam com o chicote
.                permanecerão em silêncio.
“A vingança é minha”, disse o Senhor.

XXXVI

Escrevo agora porque
nunca soube como guardar meus segredos.
Desconheço as maneiras de lidar com os bastidores
a vida por trás da vida.
Já os amigos desgastam suas razões
buscam a forma de saírem ou de não chegar
.                        (então fica o poema).
Necessito contar que alguém se afunde em minha cabeça
que me oprimo forte contra sua profundidade
.                                                         e não saio enterrada.
O que tão inconfessável é estar seriamente
inválida?
Quais afetos não suportariam que meu calor
aqueceu por completo?

XXXIV

Escuto as curvas do meu corpo
assobiar um ruído estridente.
Há uma bússola aberta
que me deixa mais silenciosa.
Escondo a cabeça como uma tartaruga
dentro comprimo o rosto.
Essa mulher que sou sabe
sobreviver aos cilindros de suas aguas.
Fechada e insatisfeita
deve afogar-se
render-se.

*Poemas do livro “Estátua de Sal”, Dcir Edições, 2017.