Vicente Augusto de Carvalho nasceu em Santos, São Paulo, no dia 5 de abril de 1866. Poeta, advogado, jornalista, político e abolicionista, foi o segundo ocupante da cadeira 29 da Academia Brasileira de Letras (ABL), que tem por patrono Martins Pena, na sucessão de Artur de Azevedo. Também foi membro da Academia Paulista de Letras.

O seu início na literatura aconteceu em 1885, com a publicação do livro de poemas “Ardentias”.  Porém, a obra que marcou sua carreira poética, “Poemas e Canções”, de 1908, e que contou com prefácio de seu amigo Euclides da Cunha, teve 17 edições.

Vicente de Carvalho faleceu no dia 22 de abril de 1924, em Santos.


ESPERANÇA

Só a leve esperança em toda a vida
Disfarça a pena de viver, mais nada;
Nem é mais a existência, resumida,
Que uma grande esperança malograda.

O eterno sonho da alma desterrada,
Sonho que a traz ansiosa e embevecida
É uma hora feliz, sempre adiada
E que não chega nunca em toda a vida.

Essa felicidade que supomos,
Árvore milagrosa, que sonhamos
Toda arreada de dourados pomos,

Existe, sim: mas nós não a alcançamos
Porque está sempre apenas onde a pomos
E nunca a pomos onde nós estamos.

OUTRO SONETO

Eu não espero o bem que mais desejo:
Sou condenado, e disso convencido;
Vossas palavras, com que sou punido,
São penas e verdade de sobejo.

O que dizeis é mal muito sabido,
Pois nem se esconde nem procura ensejo
E anda à vista naquilo que mais vejo:
Em vosso olhar, severo ou distraído.

Tudo quanto afirmais eu mesmo alego:
Ao meu amor desamparado e triste
Toda a esperança de alcançar-vos nego.

Digo-lhe quanto sei, mas ele insiste;
Conto-lhe o mal que vejo, e ele que é cego
Põe-se a sonhar o bem que não existe.

DAS “CANTIGAS PRAIANAS”

Vida, que és o dia de hoje,
O bem que de ti se alcança
Ou passa porque nos foge,
Ou passa porque nos cansa.

Ainda mesmo quando ocorre
Na vida dos mais felizes,
O prazer floresce e morre,
A mágoa deita raízes.

Tem alicerces de areia
O que constróis cada dia,
Vida, que corres tão cheia
Para a morte tão vazia.

Haverá queixa mais justa
Que a do feliz que se queixa?
Ai, o bem que menos custa
Custa a saudade que deixa.

A UM POETA MOÇO

Desanimado, entregaste, sem norte,
Sem relutância à vida; e aceitas dessa
Torrente que te arrasta, a só promessa
De ir lentamente desaguar na morte.

Que pode haver, em suma, que te impeça
De seguir o teu rumo contra a sorte?
Sonha! e a sonhar, e assim armado e forte,
Vida e mágoas, incólume, atravessa.

Ouve: da minha extinta mocidade
Eu, que já vou fitando céus desertos,
Trouxe a consolação, trouxe a saudade,

Trouxe a certeza, enfim, (se há sonhos certos)
De ter vivido em plena claridade
Dos sonhos que sonhei de olhos abertos.

SONHO PÓSTUMO

Poupem-me, quando morto, à sepultura: odeio
.               A cova, escura e fria.
Ah! deixem-me acabar alegremente, em meio
.              Da luz, em pleno dia.

O meu último sono, eu quero assim dormi-lo:
.             – Num largo descampado,
Tendo em cima o esplendor do vasto céu tranquilo
.             E a primavera ao lado.

Bailem sobre o meu corpo asas trêmulas, asas
.            Palpitando de leve,
De insetos de ouro e azul, ou rubros como brasas,
.            Ou claros como neve.

De entre moitas em flor, oscilantes na aragem,
.          Úmidas e cheirosas,
Espalhando em redor frescuras de folhagem
.          E perfume de rosas,

Subam, jovializando o ar, canções suaves
.          – A música sonora
Em que parece rir a alegria das aves,
.          Encantadas da aurora.

E cada flor que um galho dependura
.          À beira dos caminhos
Entreabra o seio ao sol, às brisas, à doçura
.         De todos carinhos.

Passe em redor de mim um frêmito de gozo
.         E um calor de desejo,
E soe o farfalhar das árvores, moroso
.        Como o rumor de um beijo.

Palpite a natureza inteira, bela e amante,
.         Voluptuosa e festiva.
E tudo vibre e esplenda, e tudo fulja e cante
.         E tudo sonhe e viva.

A sepultura é noite onde rasteja o verme…
.         O luz, que eu tanto adoro,
Amortalha-me tu! E possa eu desfazer-me
.        No ar claro e sonoro!

SAUDADE

Belos amores perdidos,
Muito fiz eu com perder-vos;
Deixar-vos, sim: esquecemos
Fôra demais, não o fiz.

Tudo se arranca do seio,
– Amor, desejo, esperança…
Só não se arranca a lembrança
De quando se foi feliz.

Roseira cheira de rosas
Roseira cheia de espinhos,
Que eu deixei pelos caminhos,
Aberta em flor, e parti:

Por me não perder, perdi-te:
Mas mal posso assegurar-me
– Com te perder e ganhar-me,
Se ganhei, ou se perdi…

DONA FLOR

Ela é tão meiga! Em seu olhar medroso,
Vago como os crepúsculos do estio,
Treme a ternura, como sobre um rio
Treme a sombra de um bosque silencioso.

Quando, nas alvoradas da alegria,
A sua boca úmida floresce,
Naquele rosto angelical parece
Que é primavera, e que amanhece o dia.

Um rosto de anjo, límpido, radiante…
Mas, ai! sob esse angélico semblante
Mora e se esconde uma alma de mulher

Que a rir-se esfolha os sonhos de que vivo
– Como atirando ao vento fugitivo
As folhas se valor de um malmequer…

*Poemas do Livro “Antologia das Antologias”, Editora Musa, 1995.