Ilka Brunhilde Laurito nasceu em São Paulo (SP), no dia 10 de julho de 1925. Poeta, escritora e professora, foi uma importante ativista de movimentos de divulgação literária, como o “Poesia na Praça” e “Poetas na Praça”, realizado nas décadas de 60 e 70, anos que também foi diretora do Departamento de Cinema e Educação da Cinemateca Brasileira. Venceu por três vezes o Prêmio Jabuti: em 1987, na categoria Poesia, com o livro “Canteiro de Obras”; em 1990, na categoria Infantil, com o livro “A menina que fez a América”, e em 2001, também na categoria Infantil, com “A Menina que descobriu o Brasil”. Faleceu no dia 11 de dezembro de 2012, Corumbataí, São Paulo.

CONCEITO

Como dizer: poema?
– se a palavra punge
na boca sabendo a beijo?
– se a punhalada de luz
dessangra a noite
no céu do peito?

Desconversar com ciência:
– o mel é amargo
na garganta das abelhas.

ANTOLOGIA DA POESIA CONTEMPORÂNEA

O sol ainda é grande
mas já não caem coa calma as aves.
Perdigão perdeu a pena
por um tiro de metralha.
E o poeta, que colheu a pena,
preferiu a esferográfica.
Já não há mal que lhe não venha.
Mas a culpa é alheia.
Se mudou o natal? se mudou ele?
É que o cristo faz o enterro
de meninos neste tempo.
Lá virá então a fresca primavera
e os esgotos continuam os mesmos.
Ó claras águas do Mondego
que imundego!
que imundego!

NEBLINA

Ela chorava à janela
em lenta agonia chorando,
pois não enxergava seu homem
em sua viagem perdida.

Lançara a rede às estrelas
mas não caíra nenhuma,
e o mar ao longe era grito
morrendo em praia e surdina.

Ela chorava à janela
a morte sobre a distância,
o adeus que se fora um dia
em sonho, esperança e mar.

Chorava porque sabia
como era inútil seu pranto,
e, amante do amor distante,
aos poucos também partia.

O MORIMUNDO

Seu país vem vindo.
O exílio se aproxima
da fronteira livre.
E ele ainda respira
pelo arfar de eternidade
que é sua vida.
Mas não há carne que o revista
nem há sangue ou grito:
só o olhar é nítido.
Traduziu a história
quando abriu o livro.
E estagia a morte
no equilíbrio transitório
de quem sabe a aurora
mas escolhe a hora.
Já não é um homem.
É uma forma cósmica:
ultrapassa um nome.

*Poemas do livro “Sal do Lírico”, Edições Quiron, 1978.