Mauro Bento Dias Salles nasceu no Recife, Pernambuco, em 1932. Poeta, jornalista, radialista, homem de TV e publicitário, teve participação fundamental no lançamento da TV Globo, em 1965, como diretor de jornalismo e diretor de programação. Faleceu no dia 11 de fevereiro de 2023, em São Paulo.

TARDE

Cinza mar
cinza lagoa
cinza céu entristecido
Tudo cinzento parece
a mim que cinzelo o verso
das cinzas desse meu dia

E

E tudo perde o senso
e a tarde morre clara
e as coisas não se movem
e o mundo me maltrata
e sofro tua ausência
e sinto a morte perto
e perco teu segredo
e grito a minha angústia
(e as dores que carrego)
e sei que tudo existe
e choro o que não sei
e as coisas que não vejo
e Deus que não alcanço

RESUMO

Eu partido em mil pedaços
e dividido no Cosmos
Eu de mãos despedaçadas
por onde fugiram rosas
Em plural que me plantaram
em sementeiras distantes
(germinar não foi possível
naquela terra escaldada)
Eu que nunca me bastei
nem pão nem peixe comi
no banquete preparado
em que somaram destroços
do pouco que me sobrara

HOMEM

De repente sucede:
o arco não se retesa
a flecha não parte
as coisas perdem
o seu sentido

De repente
meus braços parecem longos demais
e teu corpo
é todo interrogação

De repente
a flor recolhe
pétalas entreabertas
e o mundo pára
diante do homem
que não é

TANGO DERRADEIRO

O dorso arcado
é um grito na noite

A face oculta
as largas espáduas
nuas
e os gestos
procuram rumos ignorados
na escalada
de costas intermináveis

Carícias trilham
caminhos novos
em corpos esquecidos

Que se debruçam
na busca
de músculos relaxados
de soluços
e sorrisos não registrados
na música
da simultânea chegada

*Poemas do livro “O Gesto”, Massao Ohno, 1993.