Robert L. Hass nasceu em São Francisco, Califórnia, Estados Unidos, no dia 1º de março de 1941. Poeta, professor, crítico literário e tradutor, é um dos escritores contemporâneos mais reconhecidos em seu país. Dentre diversos prêmios e honrarias, venceu o “Pulitzer de Poesia”, em 2008, com a obra “Tempo e Materiais”. Além de seu sucesso como poeta, Hass também é reconhecido como um importante crítico e tradutor, principalmente do poeta polonês Czeslaw Milosz e dos mestres japoneses de haicai Basho, Buson e Issa.

A DIFICULDADE DE DESCREVER UMA COR

Se dissesse – ao recordar no verão
a mancha vermelha de um cardeal
sobre a madeira lisa e cinzenta de inverno –

Se dissesse – a fita vermelha do chapéu de palha
da menina a ponto de beijar
o seu cachorrinho de colo, enquanto o embalava
no quadro de Renoir –

Se dissesse fogo, se dissesse sangue que emana de um corte –

Ou respingos de papoula no ar alcatrão de verão
em uma encosta varrida pelo vento nos arredores de Fano –

Se dissesse, o brinco vermelho em seu lóbulo sedoso que tira

quando joga as cartas com um baralho de folhas caídas
até que saia a que você quer –

mamilo rosado, boca –
(Como não amar uma mulher
que te faz truque com o tarot?)

Vermelho, disse. De repente, vermelho.

ETIMOLOGIA

Seu corpo no fogo
Mímica da luz que confere à meia-noite
A filosofia.
Se supõe que estão mortos agora.
Não é “mortos agora” uma expressão estranha?
Lá fora se ouvem as corujas
E o vento que sussurra na árvores
Toma conta de seus ouvidos, exalado
Em quadrilhas exploradoras da sensação sob suas espinhas dorsais.

Se você diz que se converte em linguagem ou não existe,
Quem há tocado em quem?
Em que movimento fugaz das estrelas?
Pobre linguagem, pobre teoria
Da linguagem. Os fragmentos do crânio
No museu Egípcio pareciam mapas dos labirintos do
Desfiladeiro erodidos pelo vento desde onde,
Se permanece na borda
Amarelo de uma catarata seca, você escuta
O eco ressoante dos gritos das andorinhas-do-mar
Pescando na prata esculpida pelas corredeiras.

E o que dizer de sua umidade? Os anglo-saxões
Tinham um nome para isso. Os chamavam sutileza.
Eram navegantes. Era a mesma palavra
Que utilizavam para olhar a lua sobre o mar.

ESSA MÚSICA

A prata da enseada sob o sol de agosto,
A luminosidade do ar seco, as últimas trilhas de neve fundida

Filtraram-se através das raízes da relva da montanha,
O vinagre da erva, o humo dourado, ou a ferrugem da pradaria.

Concedem os corpos dos amantes?
Ao escurecer no verão, a respiração deles, o rosto dormido dela,

Concedem a leve brisa entre os pinheiros?
Se você fosse o intérprete, se essa fosse sua tarefa.

INVEJA DOS POEMAS DOS OUTROS

Numa versão da lenda as sereias não cantam.
Apenas no retrato de um marinheiro podiam fazê-lo.
Assim Odisseu, atado ao mastro, se sentiu atormentado
Por uma música que não era como –  mergulhos do mar,
açoite do vento, a fome dos pássaros mar adentro –
E as silenciosas mulheres que recolhiam algas para fertilizar seu jardim,
Ao ver sua derrota contra os cordames, ao ver
A tremenda saudade de seus olhos, foram substituídas para sempre
Sobre o rochoso deserto de uma ilha fantasiada
Que imaginou como canção nunca cantada.

*Poemas do livro “Tempo e Materiais”, Bartleby Editores, 2008.
Tradução de Igor Calazans para o Recanto do Poeta.