Alex Polari de Alvarenga nasceu em João Pessoa, Paraíba, em 1951. Poeta e militante político, foi preso durante o regime militar (condenado à duas prisões perpétuas), por ter sido um dos responsáveis pelo sequestro do embaixador da Alemanha. Permaneceu em cárcere privado entre os anos de 1971 e 1980, onde escreveu o seu primeiro livro “Inventário de Cicatrizes”, em 1978. Quando solto, o poeta aderiu ao Santo Daime e se mudou para a Amazônia. Lá lutou pela legalização do uso da ayahuasca, bebida psicoativa usada com fins religiosos, além de encabeçar movimentos de preservação do meio ambiente. Em relação à poesia, seus poemas variam entre a linguagem coloquial e um lirismo contemplativo. Os versos carregam o espírito de sua luta, escancarando uma época caracterizada por atos criminosos e forte opressão do Estado.

Rapsódia Cotidiana

Acordo cansado
são coisas sem nenhum passado
adágio sem nenhuma agilidade.

Abordo sua insônia
discordo de suas palavras.

Você entende como uma declaração de guerra
(mais um triste recorde de nossa impotência).

Canto uma ode de bardo devasso
ardendo de paixão simulada

você morre de ódio
entra no maior bode
me joga na cabeça aquele vaso de cactus
que herdei da vovó.

No último ato de estorinha
atravesso o quarto
colamos juntos os pedaços de espinho
brinco travesso com sua fúria
calamos
e fazemos as pazes na cama
como sempre.

Conclusões

Este gosto de derrota
é menos por causa da prisão
do que por nós mesmos.
Nestes últimos tempos
aprendemos a nos desentender
com muita clareza.

Colônia Penal Brazilliensis

Desligaram as máquinas
o que restou, jogaram no fôsso
dos ossos fizeram pentes
dos corpos piruetas
dos cabelos perucas
dos pentelhos palitos
da pele roupas
e da voz agoniada e rouca
eles foram costurando cada grito e cada boca
um por um deles foram juntando
eco por eco de desespero
caco por caco de amargura
e assim eles inventaram o silêncio.

Possessões

É verdade que te quero verde
em minhas redes que rasgam
é verdade que te quero livre
nos meus dentes que rangem
enquanto você se debate
é verdade que eu te quero presa
em minhas malhas de aço
é verdade porém que com todo esse poder
eu ainda sou frágil.

Fantasias Carcerárias através dos Tempos

É tão bonito ver o amanhecer lá fora
quando não há postigos nas janelas
e os verdugos estão dormindo bêbados
ao redor da forca
É tão bonito ouvir o canto dos pássaros
quando eles abafam os passos das sentinelas
é tão livre andar em torno da cela
depois de sorver a mesma sopa de sabor indefinido
é tão bom continuar pensando nela
mesmo sem saber hoje com quem ela se deita
é tão importante acender a vela
e esconder, ler o livro que for possível.

Quantos prisioneiros
há tantos séculos
inventaram o sentido
em pequenos objetos
que o regulamento permite.
Quantos de nós, prisioneiros, imersos no mesmo lamento
morrem, mentem, resistem,
nas verdades que a positividade
não transmite.

*Poemas do livro “Camarim de Prisioneiro”, Global Editora, 1980.