António Pereira Nobre nasceu no dia 16 de agosto de 1867, na cidade do Porto, em Portugal. Considerado um dos poetas mais melancólicos da movimento ultrarromântico português, fez parte da geração finissecular do Século XIX em seu país. Sua principal obra, “Só”, foi escrita e publicada em Paris, na França, e apresenta fortes traços do simbolismo, marcados por lamentações e saudosismos, mas sempre apresentando “finas doses” de ironia.
De acordo com a crítica literária portuguesa, a principal contribuição de Nobre para o simbolismo lusófono foi apresentar uma alternância entre o vocabulário erudito e refinado, com a linguagem mais coloquial, próxima à compreensão popular. Faleceu com apenas 32 anos, vítima de tuberculose, em 18 de março de 1900.
FALA AO CORAÇÃO
Meu Coração, não batas, pára!
Meu Coração, vai-te deixar!
A nossa dor, bem sei, é amara,
A nossa dor, bem sei, é amara:
Meu coração, vamos sonhar…
Ao Mundo, vim, mas enganado.
Sinto-me farto de viver:
Vi o que ele era, estou maçado,
Vi o que ele era, estou maçado,
Não batas mais! vamos morrer…
Bati à porta da Ventura
Ninguém ma abriu, bati em vão:
Vamos a ver a sepultura,
Vamos a ver se a sepultura,
Nos faz o mesmo, Coração!
Adeus, Planeta! adeus, ó Lama!
Que ambos nós vai digerir,
Meu Coração, a Velha chama,
Meu Coração, a Velha chama:
Basta, por Deus! vamos dormir…
ADEUS
Adeus! Eu parto, mas volto, breve,
A tua casa que deixei lá!
Leva-me o Outono (não tarda a neve)
Leva-me o Outono (não tarda a neve)
No meu regresso, que sol fará!
Adeus! Na ausência meses são anos,
Dias são meses, que aí são ais;
Ah tu tens sonhos, eu tenho enganos,
Eu sou sozinho, tu tens teus Pais.
Adeus! Nas velas o Vento toca
«Aves» e «Paters» de imensa dor.
Enquanto rezas, fia na roca
Enquanto rezas, fia na roca
O linho branco do nosso amor.
Adeus! Paquete, que vais fugido
Com um Poeta lá dentro a orar!
Ai que destino tão parecido,
Andar aos ventos, ó Mar! ó Mar!
Adeus! Mar, quero que me respondas,
Aguas tão altas! dizei, dizei:
Quais mais salgadas ? as vossas ondas
Quais mais salgadas? as vossas ondas
Ou as que eu choro, que eu chorarei ?
Adeus! (Que é isto? treme o Paquete!)
Fiel me seja teu Coração:
Não que eu fechei-o num aloquete
E a chave é de oiro, trago-a na mão!
Adeus! O Vento soluça e geme,
O Mar, é negro, mas «lá» é azul…
Francês tão moço, que vais ao leme,
Francês tão moço, que vais ao leme,
Ah se pudesses voltar ao Sul!
Adeus (Piloto, que nuvens essas,
Façamos juntos o «pio sinal!»),
Menina e Moça, nunca me esqueças
Que eu tenho os olhos em Portugal!
Adeus. Um brigue de pano roto
Vede que passa, faz-nos sinais:
Tenha piedade, Sr. Piloto,
Tenha piedade, Sr. Piloto,
Seja pela alma dos nossos Pais…
Adeus! «St. Jacques», vai depressinha…
Meu Anjo, a esta hora, tu que farás ?
O Mar faz medo (Salve, Rainha…)
E tu, meu Anjo, tão longe estás!
Adeus! Tão longe, tão longe a terra!
Longe de tudo, longe de ti!
A trinta milhas, fica a Inglaterra,
A trinta milhas, fica a Inglaterra,
A uma (ou menos) a Morte, ali…
Adeus! Na hora de me deixares,
Já pressentias o meu porvir:
«Meu Deus!» disseste, mostrando os ares…
Mas era urgente partir! partir!
Adeus! Já faltam os mantimentos,
Falta-nos água, falta-nos luz!
Morrer, à lua, sem sacramentos,
Morrer, à lua, sem sacramentos,
Morrer tão novo, Jesus! Jesus!
Adeus! E os dias nascem e morrem;
Tanta água e falta para beber!
E já puseram (rumores correm)
Sola de molho para comer.
Adeus! — Bons dias, meu Comandante,
A nossa sorte… morrer, talvez…
E o rude velho segue pra diante:
E o rude velho segue pra diante: ~
— Morrer, meu Amo, só uma vez!
Adeus! — Gajeiro! — boa criança!
Que vais em cima no mastaréu,
Vê lá se avistas terras de França…
— Ah nada avisto, só água e céu!
Adeus! Ó Lua, Lua dos Meses,
Lua dos Mares, ora por nós!…
O Mar antigo dos Portugueses,
O Mar antigo dos Portugueses,
O Mar antigo dos meus Avós!
Adeus! Ai triste de quem embarca
Sem ver a sorte que o espera ao fim!
Façamos vela prá Dinamarca,
Que Hamlet espera no Cais por mim.
Adeus! À Vida sinto-me preso,
(Morrer não custa) pelas paixões…
Vamos ao fundo, meu Anjo, ao peso
Vamos ao fundo, meu Anjo, ao peso
Das minhas trinta desilusões!
Adeus! Que estranha Visão é aquela
Que vem andando por sobre o mar ?
Todos exclamam de mãos para ela:
«Nossa Senhora! que vens a andar!»
Adeus! A Virgem com um afago,
Pôs manso o Oceano, que assim o quis
O Mar agora parece um lago,
O Mar agora parece um lago,
O rio Lima do meu País!
Adeus! Menina, que estás rezando,
Desceu a Virgem e já te ouviu:
Agora, quero ver-te cantando,
A Santa Virgem já me acudiu.
Adeus! Os Ventos são meigas brisas
E brilha a Lua como um farol!
Ponde nas vergas vossas camisas,
Ó Marinheiros, que a Lua é o Sol!
Adeus! «St. Jacques» lá entra a barra,
Nossa Senhora vai indo a pé:
Com o seu cabelo fez uma amarra,
Lá vai puxando, que boa ela é!
Adeus! Eu parto, mas volto, breve,
A tua casa que deixei lá!
Leva-me o Outono (não tarda a neve)
Leva-me o Outono (não tarda a neve)
No meu regresso, que sol fará!
VAIDADE, TUDO VAIDADE!
Vaidade, meu amor, tudo vaidade!
Ouve: quando eu, um dia, for alguem,
Tuas amigas ter-te-ão amizade,
(Se isso é amizade) mais do que, hoje, têm.
Vaidade é o luxo, a gloria, a caridade,
Tudo vaidade! E, se pensares bem,
Verás, perdoa-me esta crueldade,
Que é uma vaidade o amor de tua mãe…
Vaidade! Um dia, foi-se-me a Fortuna
E eu vi-me só no mar com minha escuna,
E ninguem me valeu na tempestade!
Hoje, já voltam com seu ar composto,
Mas eu, ve lá! eu volto-lhes o rosto…
E isto em mim não será uma vaidade?
NATAL D’UM POETA
Em certo reino, á esquina do planeta,
Onde nasceram meus Avós, meus Paes,
Ha quatro lustres, viu a luz um poeta
Que melhor fôra não a ver jamais.
Mal despontava para a vida inquieta,
Logo ao nascer, mataram-lhe os ideaes,
A falsa-fé, n’uma traição abjecta,
Como os bandidos nas estradas reaes!
E, embora eu seja descendente, um ramo
D’essa arvore de Heroes que, entre perigos
E guerras, se esforçaram pelo ideal:
Nada me importas, Paiz! seja meu amo
O Carlos ou o Zé da Th’reza… Amigos,
Que desgraça nascer em Portugal!
Á TOA
O Primeiro Homem
Que lindo mundo! E eu só! Que tortura tamanha!
Ninguem! Meu pae é o céu. Minha mãe é a montanha.
A Montanha
Os meus cabellos são os pinheiraes sombrios
E veias do meu corpo os azulados rios.
Os Rios
Nós somos o suor que o Estio asperge e sua,
Nós somos, em Janeiro, a agoa-benta da Lua!
A Lua
Eu sou a bala, no Ar detida, d’essa guerra
Que teve contra Deus, em seu principio, a Terra…
A Terra
E eu uma das maçãs, entre outras a primeira,
Que certo Virgem viu cair d’uma macieira!
A Macieira
Tantas ainda por cair! Vinde colhel-as!
Abanae a macieira e cairão estrellas!
A Estrellas
No mar, á noite, reflectimo-nos, a olhar,
E formamos, assim, as Estrellas-do-mar…
O Mar
Sou padre. São d’agoa meus Santos-Evangelhos:
Accendei meu altar, relampagos vermelhos!
Os Relampagos
Nós somos (o contrario, embora, seja escripto)
Os fogos-tátuos d’esta cova do Infinito…
O Infinito
Sou o mar sem borrasca, onde emfim se descança.
Aqui, vem desagoar o rio da Esperança…
A Esperança
Morri, irmãos! mas lá ficaram minhas vestes,
No vosso mundo: dei-as dadas aos cyprestes.
Os Cyprestes
Para apontar os céus, como dedos funereos,
Plantaram-nos no pó dos mudos cemiterios…
Os Cemiterios
Porão, beliches, tudo cheio!… Os céus absortos!
Não cabe em Josaphat esta leva de mortos!
Os Mortos
Seculos tombam uns sobre outros, como blocos,
E nós dormindo sempre, eternos dorminhocos!
*Poemas do livro “Só”, 18ª Edição, Livraria Tavares Martins.