Antonio Olyntho Marques da Rocha, nasceu em Ubá, Minas Gerais, a 10 de maio de 1919. Poeta, romancista, ensaísta e crítico literário, além de professor de Letras, foi 0 quinto ocupante da cadeira 8 da Academia Brasileira de Letras (ABL), eleito em 1997. Vinculado à Geração de 45, foi traduzido em mais de 35 idiomas, sendo reconhecido internacionalmente. Também aprofundou-se em literaturas africanas, apresentando em suas obras traços da cultura negra. Na Bahia, foi escolhido, juntamente com Jorge Amado, para ser Obá de Xangô, no candomblé do Ilê Axé Opô Afonjá. Faleceu no dia 12 de setembro de 2009, no Rio de Janeiro.
As palavras chegam
As palavras chegam
uma a uma
um tanto sem jeito
como num experimento
serão as certas
para o momento?
Vêm junto ansiosas
e barulhentas
meio sem rumo
até que uma sílaba
tropece em consoantes
e o verso destoe de si mesmo
e o poema sofra e caia
ou surja um grito tal modo severo
que abra um novo caminho
enquanto uma linha inteira
já completa em vogais
busca o ritmo necessário
para dizer ao mar que exista
indelevelmente
E o vento passe
pela face do morro
eternamente
enquanto o poema
de nugas não trate
espera que as letras
juntem-se claras
num longo e excruciante gozo
de duras frases rompendo o expectante silêncio
no rumo do orgasmo ínsito nas palavras
e da lucidez recuperada enfim
no poema chegando ao ápice do grito.
Enquanto o poema espera
O grito joga as palavras
de volta contra o poema
e toda a paisagem se esfacela
na busca de nova consistência
capaz de pegar cada imagem
em sua pureza tersa
e dizer as coisas necessárias
Do amor primeiro
nunca descoberto e nunca morto
sempre ali
na garganta
no gasnete
que é onde a palavra se faz e de desfaz
enquanto o poema espera
que o corpo se recupere
E aguente segurar o ímpeto
que lhe vem de dentro
e deixe que a entrega emocionada
e limpa
de si mesmo
aceite a explosão
das palavras agora revoltadas
entrando pelas veias
correndo pelo sangue
para exigir a vassalagem que lhes é devida.
Faço-me palavra
Ave Palavra,
faço de meu corpo uma árvore em que pouses
faço-me palavra eu também
divido-me nas sílabas necessárias
com timbales e cânticos
vestir-me-ei por inteiro de palavras
que só existo quando através de ti.
Ave Palavra.
A paisagem
Nesse ínterim
esvaziam-se as palavras
inúteis
vindas na enxurrada
em queda no vazio
de listas e sinais.
Sem elas
desaparece o pleno sentido
some a justa aceitação
de morros e flores
de rios e mares
e ao longo da planície
as palavras renascem
para que delas saia de novo
a paisagem.
Então morreste
O sol batia na janela
quando vi teus olhos parados
dizendo-me coisas
que os lábios não mais podiam dizer
Então morreste.
Morreste devagarzinho,
aos pouquinhos,
mês após mês.
semana por semana,
dir-se-ia que hora após hora,
perdendo hoje um movimento,
outro amanhã
Morreste com muita delicadeza
e a leve sombra de um sorriso
como se pedisses desculpas.
*Poemas do livro “Ave Zora Ave Aurora”, 2006.