Emílio Guimarães Moura nasceu no dia 14 de agosto de 1902, em Dores do Indaiá, Minas Gerais. Poeta modernista, fez parte, ao lado de nomes como Carlos Drummond de Andrade, Cyro dos Anjos, Aníbal Machado, Abgar Renault, Pedro Nava, entre outros, do grupo de modernistas mineiros que ajudaram a revolucionar a literatura brasileira na década de 1920. Também foi professor universitário e redator de cadernos literários dos periódicos Diário de Minas, Estado de Minas e a Tribuna de Minas Gerais. Faleceu no dia 28 de setembro de 1971, em Belo Horizonte. Drummond despediu-se do amigo escrevendo: “Corredor ou caverna ou túnel ou presídio, não importa. Uma luz violeta vai seguir-me: a saudade de Emílio Moura”.
Contradição
Com que nuvens e névoas te protejo,
em que altitudes de asas te imagino,
em que véus de distâncias te revejo?
Quero-te mito. É como quem recria
uma rosa; ou, talvez, como quem joga
nuvens e névoas sobre a luz do dia.
Como ocultar-te ao coração faminto?
Calo o que sinto, grito o que não sinto,
fujo, perco-me, oculto-me e, em seguida,
ainda te vejo a ressurgir de tudo,
insensível à mágica aturdida
deste fugir de mim com que me iludo.
Exílio
Já nada vejo nessa bruma
que ora te esconde.
Quero encontrar-te, mas a noite
não me traz nenhuma
esperança de onde nem quando.
Amor, ah, quanto me deves!
Que é dos pés que, leves, leves,
roçaram por este chão?
Alma, és só tempo e solidão.
Quantas vezes?
Quantas vezes tenho pensado em ti como quem apela para um
. milagre,
como quem acredita que, de qualquer modo, há de recuperar, de
. súbito, o tempo perdido?
Quantas vezes tenho pensado em tu como quem volta à infância,
ou como quem sai de um túnel.
Como é que podes estar em mim e ser ao mesmo tempo
. inatingível?
Se eu te buscasse nas nuvens,
será que te encontraria?
Estás em mim e fora de mim.
És mito e realidade, forma nítida e sombra esquiva.
Só em sonhos é que já foste minha;
só nos momentos de solidão absoluta é que realmente te
. encontro.
Como a noite descesse…
Como a noite descesse e eu me sentisse só, só e desesperado
. diante dos horizontes que se fechavam
gritei alto, bem alto; ó doce e incorruptível Aurora! e vi logo
. só as estrelas é que me entenderiam.
Era preciso esperar que o próprio passado desaparecesse,
ou então voltar à infância.
Onde, entretanto, quem me dissesse
ao coração trêmulo:
– É por aqui!
Onde, entretanto, quem me dissesse
ao espírito cego:
– Renasceste: liberta-te!
Se eu estava só, só e desesperado,
por que gritar tão alto?
Por que não dizer baixinho, como quem reza:
– Ó doce e incorruptível Aurora…
se só as estrelas é que me entenderiam?
Soneto a Carlos Drummond de Andrade
A hora madura envolve-te e palpita
nela o que ora te oferta, ora recusa:
posse do que és, na solidão recôndita,
graça de amar, ressureição dos mitos.
Claros enigmas riscam céus distantes.
Falam-te as coisas pela voz que é o próprio
sentimento do mundo e pela meiga
sombra gentil que ressuscita a infância.
Ouço-te andar nas lajes desta rua,
que nem sei se é de Minas ou de alguma
pátria remota que ao teu canto se abre.
E amo-te a voz multiplicada em ecos:
verbo dócil à força íntima e pura
que à máquina do mundo se incorpora.
*Poemas do livro “Poesias de Emílio Moura”, Art Editora, 1991.