Cyro Versiani dos Anjos, nasce em Montes Claros, Minas Gerais, a 5 de outubro de 1906. Jornalista, professor, advogado e escritor, entre romances, crônicas e ensaios, também publicou poesia em um único livro, “Poemas Coronários”, de 1964. Prêmio Jabuti de literatura de 1979, em 1 de abril de 1969 foi eleito para a Academia Brasileira de Letras (ABL), para assumir a cadeira 24, na sucessão de Manuel Bandeira.

Considerado um dos autores mais sutis e poéticos da Geração de 30, Cyro dos Anjos apresentou, mesmo com muito lirismo, um conjunto de obras de denúncia social e registros das contradições brasileiras.

Cyro dos Anjos faleceu no dia 4 de agosto de 1994. Em 1997 o Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais ofereceu o 1.° Concurso de Monografia “Prêmio Ministro Cyro dos Anjos” com o objetivo de incentivar a cultura e o estudo de temas afetos ao controle e à fiscalização das contas públicas.

3

Não quero o Deus de Aristóteles nem o de Espinosa.
Quero o Deus de grandes barbas repartidas ao meio
que eu via nas estampas da História Sagrada,
sujeito a zangas e birras tal qual meu pai,
mas infinitamente bom e justo.

É no regaço desse Deus que hei-de ser acolhido.
Ele me puxará as orelhas, brincalhão. Vai, Belmiro,
perdoados são os teus pecados!
Fique naquela nuvenzinha cor de laranja
a ver os anjinhos brincarem de roda.

4

Dependo de tudo e de todos, absurdamente.
Que ser frágil veio ao mundo!
Estou a desmoronar-me a cada instante.
Amparai, amigos, tanta indigência,
dai-lhe o abrigo do vosso afeto
na fria noite da solitude.

5

Eu vi outra vez o Anjo da Morte,
tinha louras tranças, negras vestes.
Era grandalhona, bonita, meio desajeitada,
dessas que representam de República Brasileira nas festas escolares.

Sentou-se ao peitoril da janela,
não sei se viera buscar-me ou queria apenas descansar.
Disse-lhe: Vai-te, moça. Não se fechou ainda a conta de meus dias,

e tenho um menino para criar.
Não fora isso, estaria de malas prontas.
Já vi o que não quisera ver
e nem das coisas belas tenho mais curiosidade.

6

Não sei quem sou nem o que valho,
qualquer opinião me afeta
qualquer esquivança me agrava.
Invejo Robinson Crusoé
bastante a si mesmo
forte, jovial, inventivo,
Robinson Crusoé,
acendendo o seu foguinho na ilha.

10

Que salvei do naufrágio na espessa treva
que sobrenadou comigo no meu barco –
esta melancolia, este fastio,
velho companheiros,
e ainda a vaidade
e ainda o amor-próprio,
sempre reprimidos
repontando sempre?
Bracejava por não afundar.
Atirado à praia pela mão de Deus,
conjeturei que a vida se justificava
apenas
como escora de outras vidas
que também me escoram
e não valera a pena
o salvado
por si mesmo.

*Poemas do livro “Poemas Coronários”, Editora Globo, 2019.